Backstage

Sam Alone, o amor à música, a humildade e o sentimento

Na sexta-feira passada, dia 9, Sam Alone passou por Lisboa para apresentar mais uma edição da Restless Tour com um conjunto de companheiros de aventuras com quem partilhou o palco. O Música em DX aproveitou para conversar com ele sobre a vida, as pessoas e a música. Sam Alone ou Poli, abriu-nos a alma e o coração, e este foi o resultado.

MDX – Com o que te identificas mais: guitarra acústica ou elétrica?
Poli – Talvez com a acústica. Para compor, seja lá que estilo for, é melhor.

MDX – Os Devil in Me são a tua voz de revolta e Sam Alone a voz da alma?
Poli – Acho que as 2 representam as 2 coisas. Acho que cada vez mais sou menos revoltado, acho que é de irmos crescendo… ou fico revoltado mas mais controlado. Devil in Me também é o que é porque é uma banda de hardcore e Sam Alone é muito mais individual, sou muito mais eu do que com Devil in Me. Devil in Me é uma banda, todos damos a nossa opinião e chegamos a uma conclusão, com Sam Alone não há essa preocupação, é o que me apetecer. Por isso sim, Sam Alone é um pouco mais a alma.

MDX – Fazes música para ti ou para os outros? Ou as duas coisas?
Poli – As duas coisas. Se fizesse música só para mim não dava concertos nem gravava discos. Há aquelas pessoas que dizem: “ah não faço música para os outros”, mas dão-se ao trabalho de fazer um disco e procurar uma editora para lançar o teu trabalho… isso é um bocado estranho. Faço música para quem quiser ouvir. Tenho de gostar dela primeiro e eu se eu gostar dela edita-se e se as pessoas gostarem melhor ainda. Por isso sim, é para mim e para quem quiser ouvir.

MDX – As letras de Sam Alone são autobiográficas?
Poli – 90% sim! Há uma ou outra que é só storyteller sem ser nada meu mesmo, mas ainda assim serve para chegar a uma conclusão ou para tentar instigar qualquer coisa nas pessoas.

MDX – A tua vida mudou de alguma forma desde 2008 quando Sam Alone apareceu?
Poli – Mudou. Mais desde o Youth in The Dark, mudou para algumas coisas que eu não gosto, a maior parte delas porque eu nunca pedi para a minha música passar na rádio nem para chegar a mais gente do que alguma vez pensei. Sou a favor disso, aceito e gosto, mas ao mesmo tempo não gosto da espécie de obrigação com que ficas. Recebo emails e mensagens de pessoas que até nem conheço mas que acabaram por me começar a seguir e dizem “não te devias manifestar tanto desta forma e doutra porque comprometes a tua imagem”, etc. As pessoas esquecem-se que eu sou só um português normal e que se calhar não sou assim tão intelectual como as pessoas pensam só porque tenho uma ou outra letra mais de intervenção. Eu não quero instigar revolta nem mudar nada, eu só quero, se calhar, tentar abrir mentes ou, pelo menos, fazer com que as pessoas pensem um bocado, nem que seja para não concordar comigo. Acho que essa é a parte mais bonita, haver pessoas que não concordam contigo, se não isto não tinha piada nenhuma. Esta é a parte que eu não gosto da mudança, ainda ontem estava a falar nisso com o Frank e o Fast, que todos nós levamos com esse tipo de coisas “não devias ter dito aquilo” as pessoas esquecem-se que somos só humanos. O resto é muito bom, está a acontecer a Restless pela segunda vez e tenho feito muitos bons amigos por causa da música. Acho que é merecido, só tenho de aprender a viver com a parte negativa das coisas, a parte da maior exposição.

MDX – Se tivesses de mudar alguma coisa era isso ou era algo diferente?
Poli – Não mudava nada. As pessoas não deviam arrepender-se do que fazem, deviam era olhar para o que fizeram, assumir os erros, culpabilizar-se se for esse o caso e tentar melhorar, acho que o intuito é melhorar, não é?

MDX – Qual é a música da tua vida?
Poli – Tenho músicas para certos momentos, gosto de tanta coisa que não consigo ter uma música da minha vida. Mas se calhar é a Redemption Song do Bob Marley, sempre foi bastante atual e há-de ser sempre.

MDX – Tens esperança nas pessoas?
Poli – Sim, tenho esperança nas pessoas, acho que vou ter sempre. Eu estou a acalmar em relação ao que ponho no facebook porque acho que o facebook é bom para promover bandas e músicas, para o resto não. Acho que o nosso panorama atual nos originou ódio gratuito: quando lemos alguma coisa, estamos só a ver letras, palavras e interpretamos aquilo como supomos que alguém escreveu – ou irritado ou zangado ou na boa ou com tom irónico – e na verdade nós nunca vamos saber, a não ser que conheças bem a pessoa, como é que a pessoa escreveu. Eu quando escrevo um post sei que isso vai acontecer e essa também é a beleza da coisa. Eu também já agi da mesma forma e tenho tentado melhorar isso, as pessoas revoltam-se imenso umas contra as outras só porque os outros têm outra opinião. Eu sei que às vezes sou muito agressivo nas palavras, mas não sou muito agressivo como pessoa, na verdade, são só palavras. Acho que as pessoas têm tendência a quererem mostrar que são muito sensíveis quando na verdade não são. Toda a gente diz asneiras a toda a hora ou quando está com os amigos ou em casa e isso não faz de ti uma pessoa bronca nem parva. Eu acho que com Youth in The Dark as pessoas começaram a achar que eu era de esquerda e que queria estar envolvido na política, mas só porque eu toco e falo de certos assuntos não quer dizer que eu os queira mesmo aprofundar ao máximo, só quero expor que tenho consciência disso e só quero partilhar essa informação e é isso que as pessoas não entendem ou entendem duma maneira que não é correta. Se há uma coisa que aprendi com o Bob Dylan é que “está ai a letra, não tenho de justificar mais nada”. Às vezes aborrece-me um bocado ter de justificar letras. Se não percebeste vai ouvindo até perceberes. Tenho discos que oiço desde puto e só agora comecei a perceber onde é que queriam chegar. Mas tenho muita fé. Eu como pai acho que a mudança está na educação que damos aos miúdos, acho que a culpa da geração da casa dos segredos e do swag tem o direito a gostar da cena deles. Mas esta geração um bocado mais virada para a futilidade tem a ver um bocado com quem os educou, não estou a dizer que os educaram mal, mas a nível de cultura há uma falha. Não acho que sou mais culto que ninguém nem me acho uma pessoa culta mas há tanta coisa para além do futebol, do hino nacional e da Teresa Guilherme. Eu tive sorte em casa e agora estou a passar isso para a minha filha e fico contente dela ser um bocado mais weirdo na escola. Mas mantenho a esperança nas pessoas, claro! Até mesmo em mim, temos sempre de tentar melhorar e, felizmente, nunca fui de não assumir as porcarias que fiz.

MDX – Como é que correu o concerto de ontem?
Poli – Correu muito bem. Coimbra não costuma ser uma cidade muito sólida nos concertos, é muito inconstante. Embora, supostamente, se diga que há uma grande cultura rock lá e acho que houve coisas boas a sair dali, mas dos anos em que tenho lá ido tem sido estranho, talvez porque a minha música não agrade às pessoas, também pode ser. Mas ontem foi brutal, o Salão Brasil não estava lotado mas estava cheio e espero que aconteça hoje, o pessoal ficou logo colado à frente e aquilo começa a aquecer e começam todos a cantar… que é o que vai ser hoje, espero eu. Pelo menos da nossa parte há-de ser. Mas ontem foi muito bom, Salão Brasil é um grande clube.

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MDX – Restless Tour porquê?
Poli – Por causa da frase mesmo. Do que significa restless, o incansável, nunca desistires até à última. A ideia não é minha original nem de quem o faz agora nos Estados Unidos. Nos anos 40 e 50 sempre houve tours deste género das bandas do country, do rock’n’roll e do blues em que cada um tocava só 3 ou 4 malhas e depois tocavam juntos malhas de outros e nós estamos a fazer isso levando em conta os tempos de hoje e as pessoas que fazem música em Portugal que espero que aumentem, sempre apelámos a isso na radio. Não há problema de bandas novas virem ter connosco para mostrar o trabalho. É isso que a restless é, partilhar música e é para pessoas com esse feeling: pessoal que se for preciso passa invernos inteiros a ir ver concertos com os mesmos amigos onde só estão 10 pessoas, mesmo quando está cheio eles estão lá, quando a vaga acaba eles continuam lá e é para esse público e esse tipo de músicos. Nós não somos músicos que estão a espera da queima das fitas para ir tocar nem dos festivais de verão, essas são as bandas que quando vem o outono já não tocam mais até vir o verão.

MDX – Queres deixar alguma mensagem para os nossos leitores?
Poli – Apoiem a música, mesmo o que não gostam. Em vez de serem brutos ou criticarem, mostrem a outra pessoa e pode ser que essa pessoa goste. Ao fazerem isso estão a apoiar a música porque podes não gostar desse músico mas alguém pode gostar e essa pessoa pode começar a apoiar a música dele. Vão aos concertos! Não combinem jantaradas onde se gastam 70€ ou 80€. Eu sei que cada um faz o que quer, mas se gostam de música deixem de ir tantas vezes a jantares ou gastar dinheiro em copos, vão a concertos, pagam 10€ ou 15€ e depois ainda podem sair a noite, os concertos acabam cedo. Eu também gosto dessa vida, mas prefiro concertos, prefiro ver humanos a tocarem os instrumentos, esse calor não se encontra em mais lado nenhum. E que sejam felizes, honestamente!

E tu também Poli! Que mantenhas sempre esse amor à música e a humildade que tão bem te caracteriza. E que, acima de tudo, sejas sempre incansável.

Entrevista – Eliana Berto
Fotografia – Valentina Ernö (Silvana Delgado)