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MAGAFEST 2015, o regresso das MagaSessions em “tamanho família”

Aconteceu no passado sábado dia 5 de Setembro a segunda edição do MAGAFEST, o festival que celebra as MagaSessions. MagaSessions? Sim, as sessões de música que se realizam mensalmente na residência de Inês Magalhães, a mentora desse e deste projeto.

Este ano, o local escolhido para a maratona de oito horas de música, com tiro de partida à 18:00, voltou a ser a Casa Independente, ao Intendente. E mais uma vez, o festival acentou-lhe como uma luva.

Não pôde estar presente? Saiba o que perdeu.

Quem já frequentou as MagaSessions sabe que o ambiente é intimista. O espaço tem naturalmente uma aura pessoal e o espírito em que decorrem os concertos é de comunhão. Na Casa Idependente, o espaço é outro: mais aberto e com a sua própria história para contar; uma história que se espalha pelas paredes e recantos de cada uma das divisões.

Talvez seja por isso que o espírito das MagaSessions, ao invés de se perder, pairou insistentemente no ar. Afinal de contas, a casa é maior mas está repleta de recordações. E o conceito é o mesmo: música como pretexto para uma experiência de partilha.

Foi pois no aprazível pátio da Casa, por baixo de uma latada de vides, que as Minta & the Book Trout deram início à jornada musical que o cartaz propunha. Estávamos ainda em plena luz do dia, pelo que nada mais sensato do que uma abordagem suave aos ouvidos dos visitantes, que nessa altura já lotavam o dito pátio, refocilando por bancos, cadeiras e chão e bebendo refrescos da Tasca Tropical ou da banca da Jameson. A essa tarefa de fazer as honras do certame deram boa resposta os sons amenos e folky do duo, com recurso a vozes, guitarra, cavaquinho e percussões. Kymia Dawson, Beck e Mirah foram alguns dos autores glosados, com destaque para o tema Person Person, daquela última cantora, que foi talvez o momento mais brilhante de um set bem executado e muito apreciado pelos presentes, à semelhança de resto do que se viria a verificar pela noite fora.

Foi ainda sob o reinado do sol que Simão tomou o lugar das Minta, para uma rendição a solo dos temas que normalmente toca com a sua banda, os Não Simão. Dedilhando quase sempre, Simão protagonizou uma atuação calma que durou 9 músicas, ou 35 minutos, com direito a Era Um Redondo Vocábulo, de Zeca Afonso, e a um final em jeito de bossa nova, com Clara Mente.

E foi já numa Sala do Tigre apinhada que se entrou na noite do festival. O palco foi estreado pela guitarra do Filho da Mãe e pelo próprio, que dela se ocupou com dedicação. Reside aí, de resto, o que de mais especial tem a sua música: visualmente, é como assistir a um artífice trabalhando numa oficina. Há algo de táctil no som apresentado. É talvez um dos músicos portugueses da atualidade que mais facilita a visualização da ideia de que fazer música é como esculpir o ar. Isto nos momentos de labor mais intrincado, pois também os tem explosivos. Por vezes com ressonâncias arábicas, a sua prestação colheu generosos aplausos.

A noite havia ainda de prosseguir em modo acústico por mais duas horas, pouco mais ou menos. Primeiro com Norberto Lobo e Carlos Bica, e depois com Lula Pena. Os primeiros começaram de mansinho, construindo pacientemente uma paisagem sónica, efeito para o qual Bica se serviu do arco para fazer vibrar as cordas do seu contrabaixo. Banda sonora perfeita para ir ver como paravam as modas no pátio: comia-se, bebia-se, fumava-se, conversava-se. Uma das coisas boas a destacar neste MAGAFEST foi precisamente a possibilidade de cirandar pela Casa ao sabor dos impulsos do momento, fosse para apanhar um pouco de ar, para ler o capítulo de um clássico ou para saborear um petisco.

De regresso aos domínios do tigre, verificávamos que o duo ia alternando temas mais fáceis ao ouvido – harmoniosos ou exoticamente agradáveis – com outros mais exploratórios. Ao fim de oito temas e de uma prestação que soube captar o interesse e as emoções da audiência, foi altura de passar o testemunho a Lula Pena.

A cantora começou docemente a sua atuação e foi docemente que as pessoas foram voltando à sala principal do evento, atraídas, algumas com ar visivelmente curioso, pelo murmúrio grave de Lula. O segundo tema sucede-se de imediato ao primeiro sem que a maior parte do público se aperceba. Há uma profundidade genuína no canto dela. Com tendência para a síncope, Lula foi levando para a frente aquela que foi uma das atuações mais consistentes do festival.

Enquanto isso, no pátio, Garcia da Selva iniciava as suas expedições ao continente dos teclados, de que ia resultando um ambiente sonoro tenso, contrastante com a amenidade das condições climatéricas e com o romantismo geral do quadro visual. A harmonia foi depois ganhando algum terreno através dos dedos do músico, e foi durante essa ascendência que os Silence is a Boy subiram ao palco, nos antípodas da Casa Independente.

Lá fomos nós ao seu encontro, a tempo de ouvir que a banda estava ali para “partir esta (aquela) merda toda”. Com um posicionamento algo boémio e humorístico e 8 músicos em palco (pelo menos num dado momento), os Silence is a Boy tocaram 11 canções + encore (repetição do tema “new waviano” Vamos Para a Praia Curtir). E curtir foi realmente o que fizeram, contagiando eventualmente a maior parte da assistência enquanto fugiam para Zanzibar e provavam Tika Masala. De registar especialmente os bem conseguidos Romance Turbo (dançável, pseudo-cândida, forte, com referências ao coancioneiro pop nacional) e Jolie… (não apanhámos o nome completo do tema), esta com um belo crescendo que terminou num clímax acompanhado de uma coreografia de belo efeito. Antes do encore, houve tempo para uma incursão a capella com seguimento em ritmo de polka. Foram muitos e merecidos os aplausos recebidos.

Faltava só Jibóia atuar para que se cumprisse o cartaz. Uma boa fatia do público já tinha dado corda aos sapatos mas ainda se compôs uma boa audiência. Sozinho em palco quase sempre – acompanhado em algumas temas por uma vocalista convidada, por sinal com uma bela voz que o reverb generoso tornava hipnótica -, Jibóia arrancou com um som grave e distorcido de teclado, lembrando um pouco Soft Machine. Depois entra o beat, o elemento que ao longo da atuação transportou os temas para a frente, fossem estes mais voltados para o noise gerado pela guitarra elétrica, para a melodia (tendencialmente orientalizante) ou para o próprio ritmo, que chegou a ser “burakiano” e a piscar o olho à pop eletrónica. Melhor quanto a nós na vertente noise, em que a voz se juntou com muito mérito à catarse sonora.

E assim ia terminando a noite e o festival. Inês Magalhães & Comp.ª de parabéns. Para o ano há mais?

Texto – Pedro Raimundo
Fotografia – Rita Justino