Backstage

“Guitarra Makaka: Danças a um Deus Desconhecido”, entrevista com Tó Trips

Em semana de lançamento do 2º disco de originais “Guitarra Makaka: Danças a um Deus Desconhecido”, estivemos à conversa com Tó Trips. Entre o sound-check e a actuação, falámos sobre a ilha imaginária da Makaka e dos Deus(es) desconhecidos da “Baia das Negras”. Da fé nos “Sacrifícios”, nas danças tribais, no romantismo da “Cartagena suite”. Tó Trips é um guitarrista nato, pois a formação musical foi “na rua” e desde 1985 que toca como poucos em Portugal!

A timidez foi-se desvanecendo com a música e com o tempo, mas a comunhão visceral entre Tó Trips e a guitarra é cada vez mais intensa. A “Guitarra Makaka: Danças a um Deus desconhecido”, disco para se ouvir com os olhos fechados e a alma aberta!

Música em DX (MDX) – Editaste um disco “Guitarra 66”, tocaste no CCBEAT com Kimi Djabaté, depois na ZDB já com a “Guitarra Makaka” com Bubacar Djabaté. Como é que o teu projecto a solo começou?
Tó Trips (TT) – Sim, na ZDB foi um concerto diferente, tocámos juntos por acaso. A primeira vez que toquei a solo foi a convite da Adriana Sá, na “Vizinha” na Bica. Faziam umas sessões que se chamavam “Sabadou”. A Adriana tocava zither, instrumento turco, eu tocava guitarra. Foi aí que tudo começou (risos).

MDX – O nome do álbum, “Guitarra Makaka – Danças a um Deus Desconhecido”. Qual a razão deste nome?
TT – Há um filme de que eu gosto muito que é “A Revolta na Bounty”, uma das versões é com o Marlon Brando. E o filme baseia-se na história de uma tripulação que se revolta contra o capitão do navio, provocando um motim.
É este fascínio das ilhas muito pequenas do Pacifico, aquelas que não se vêem no mapa, as ilhas imaginárias. E eu desenhei essa ilha, e o disco é todo um percurso nessa ilha imaginária, na descoberta do desconhecido. A imagem da capa do disco é uma imagem que descobri em mapas antigos, onde os macacos estão agarrados às mulheres ocidentais. Construí uma história que se passa nessa ilha, com deuses desconhecidos. Como as danças tribais, das mulheres a dançarem a deuses, ao Deus da chuva por exemplo. Como que a reaprender a tocar nesta ilha imaginária.

MDX – Saiu o CD na 2ª feira e agora vai sair um vinil. Mas não houve nenhum evento promocional, nem nada do género? É o Tó Trips recatado, low-profile?
TT – Sim, saiu o CD e vai sair o vinil, pela Rastilho. Não gosto muito dessa coisa de ter que se fazer sempre algum evento, há demasiados (risos)… Não é um disco mainstream, é um disco para se ouvir. Não temos que fazer sempre a vida acontecer, gosto deixar que a vida passe por mim. Se não tivesse acontecido o convite da Adriana, se calhar eu não tinha começado a tocar assim.
O que eu mais gosto na música é inventar. Por exemplo, nunca gostei de tocar covers. Gosto quando estou a inventar descobrir que sai alguma coisa de alguém, tipo “olha, parece PJ Harvey “! Toquei com o Zé Pedro no ano passado Velvet Underground, que gosto muito, mas não é o que me dá mais gozo. Quando era puto gramava ser cientista! O meu amigo Miguel Che é cientista, e o que eu mais gosto na música é descobrir, não gosto de tocar só por tocar.

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MDX – O isolamento de tocares sozinho, ou seja, sem os Dead Combo ou os Lulu Blind, assusta-te?
TT – Eu sempre fui tímido (risos), e a música ajudou-me muito a não ser tanto. A música sempre serviu como terapia. Há quem vá ao ginásio por exemplo, eu toco guitarra! O estar sozinho permite-me também trabalhar ao meu ritmo, de poder pesquisar. De ter a liberdade de compor sozinho.

MDX – Quando deste o concerto na ZDB, o título que dei à reportagem foi o “Arrepiar da Guitarra Makaka”… No tema “Baia das Negras” ouvem-se as mulheres a gritar de alegria.
TT – Sim, a guitarra dá uns arrepios (risos). Como se as mulheres africanas se deixem levar pelo desconhecido.

MDX – O álbum não é apenas um misticismo de uma áfrica profunda, há um Norte de África também, Marrocos. O primeiro tema “First God”, vai buscar alguma sonoridade a Gustavo Santaolalla. Concordas?
TT – Sim, sim a banda sonora de Babel! Sinceramente, gosto de tocar sem estar a pensar. Quando era mais novo não acreditava que era preciso trabalhar (risos)! A minha filha tocou piano 6 anos, agora quis desistir. O que lhe disse foi, se não te dá prazer não vais conseguir trabalhar! Por isso, trabalho sempre com prazer.

MDX – Para além de África, temos uma sonoridade espanhola na “Cartagena suite”.
TT – Cartagena é uma cidade colombiana no mar das caraíbas. Espanhol mas também ocidental, com as viagens, queria que tivesse um lado romântico. Os espaços na música são muito importantes. A última música tem esse espaço, vais-te afastando.

MDX – “Sacrifício”, tem um início harmonioso, melódico e depois começa a “doer”, uma marcação ritmada.
TT – Esse música também tem o lado religioso, nos dias de hoje que nos têm pedido tantos sacrifícios (risos). Não há mal nenhum em fazer sacrifícios, desde que tenhas algo em troca, desde que tenhas alguma coisa depois disso. No fundo é também o lado da esperança, o ter fé nalguma coisa.

MDX – Como é a tua fé? Tens fé?
TT – Eu tenho fé, sim. Vim de uma família católica, não sou crente mas tenho fé. Mas a minha fé é no universo. Quando cheguei aos Alpes, com o Edgar Pêra, opá aquilo é grandioso! É na natureza, nos oceanos, nas montanhas, nas tempestades, que está a minha fé.

MDX – “A natureza põe-nos em sentido”, uma frase tua (risos).
TT – É isso mesmo, a natureza exige-nos respeito, sim. Hoje em dia tudo é demasiado efémero, todas as tecnologias, tudo é muito efémero. Sou capaz de entrar numa igreja e ficar sentado, no silêncio. Refugiu-me muito na guitarra, toco todos os dias, em casa. Tenho 3 filhos, e toco guitarra quando eles já estão a dormir para descomprimir.
Fiz as gravações deste disco no iPhone, e ao princípio estava a pensar editar o disco com essas gravações (risos). Se estivesse numa ilha perdida, podia deixar as músicas ali. É a junção da tecnologia e o do primitivo.

MDX – Como foi a gravação do disco?
TT – Levei as gravações, a capa, o livro (que está junto com o CD) e deixei com eles (editora). Depois passei por lá e mostraram-me o que tinham feito, e eu disse “aqui está bom, aqui está um bocado exagerado”, e fomos afinando. Comecei a trabalhar em Janeiro no Golden Pony e o disco saiu em Março. Não tenho muita paciência para estar muito tempo fechado num estúdio (risos).

MDX – Levas a música a sério?
TT – Trabalhei 11 anos em publicidade, toco guitarra desde 1985 e vivo da música. Levo a sério como trabalho e como o sustento da minha família, sim. Mas não é um peso para mim. Há pessoal que antes de entrar em palco parece que vai para o spaceshuttle, fica muito nervoso! Não, não é pesado tocar!

Próximas datas já confirmadas:
29 de Maio – St Matthias Church, Londres
16 de Agosto – Bons Sons

Mais informação em:
Mbari Música – https://www.facebook.com/mbarimusica?fref=ts

Texto – Carla Sancho
Fotografia – Luis Sousa