Backstage

Capitão Fantasma, A provocação não é um modo de vida mas um estado de espírito

Final de tarde de segunda feira de uma primavera qualquer em Alvalade, a primeira depois do regresso da hora de verão. Jorge Bruto gosta do bairro onde vive. É o bairro dele. Foi por sua sugestão que combinámos a entrevista numa pastelaria de Alvalade ao invés da baixa como inicialmente eu havia sugerido. Falámos disso quando o gravador já estava desligado. Falámos de como toda a renovação da zona trouxe gente nova. Falámos dessas e de outras coisas mundanas. Mais que uma entrevista, foi uma conversa informal sobre os Capitão Fantasma e outros projectos de Jorge Bruto dos quais se aguarda com expectativa o regresso.

Jorge Bruto, actualmente vocalista dos Capitão Fantasma, Bruto & Cannibals e Club Sin, ainda tem muito por dizer. Assume que gosta de ser incómodo, provocador, polémico. A maioria das pessoas que possuem o seu quê de originalidade são assim. É um estado de espirito que os faz andar para a frente e só olhar para trás de vez em quando para retirar uma qualquer ideia que lá ficou a germinar.

Amanhã temos encontro marcado com esse mesmo futuro no Sabotage Club com o regresso aos concertos dos Capitão Fantasma.

Música em DX (MDX) – Depois de tantos anos a trabalhar com tantas pessoas diferentes, sentes que ainda tens muito por dizer?

Jorge Bruto – Eu não sei se tenho muito por dizer…basicamente eu falo porque não sou capaz de estar calado. Mas há sempre coisas por dizer.

MDX – A maioria das pessoas que vai ver um concerto de Capitão Fantasma, já sabe ao que vai. Os fãs são já um grupo de amigos. Existem caras novas na multidão?

Jorge Bruto – Há sempre aquelas dezenas de pessoas, que são quase sempre os mesmos, mas ao mesmo tempo muita gente nova, muitos putos novos e que vão ficando, o que é muito bom.

MDX – Falávamos há pouco, antes de ligar o gravador, sobre fotografia, esta nova dicotomia e a aproximação na qualidade entre o analógico e o digital. Qual é a tua opinião sobre a relação da música, especialmente o rock, neste momento em que ela já entrou completamente na era digital e o digital se torna já uma parte da música?

Jorge Bruto – Digamos que eu acredito que o moderno é bom, as coisas novas são boas, aqui há uns tempos atrás, há 20 anos digamos, era uma seca.

Não se podia fazer nada, era tudo com gravador de cassetes….o pessoal ia gravando cassetes, passava a musica uns para os outros a gravar cassetes.. é uma história gira mas nada prática.

MDX – Todas as ferramentas que estão a ser postas ao nosso dispor …

Jorge Bruto – São para usar.

MDX – Em relação ao projecto que nos trouxe aqui, os Capitão Fantasma, existem ideias novas?

Jorge Bruto – Capitão Fantasma, vamos gravar um álbum, estamos mesmo a precisar, e é isso.

MDX – Já existem musicas novas?

Jorge Bruto – Há, mas não vão aparecer em concerto ainda.

MDX – Há muita gente com vontade de ouvir o que se vai passar a seguir. Capitão Fantasma não teve um caminho muito linear.

Jorge Bruto – Não houve uma evolução assim tão grande. Houve foi uma capacidade de fazer as coisas com mais cabeça porque o primeiro álbum foi muito bem feito, com condições óptimas mas com desconhecimento. O que a banda é ao vivo não está representado no primeiro disco. O primeiro disco está muito limpo, foi limpo pela produção.

Nós não sabíamos como era fazer um disco. Então da primeira vez que fomos a estúdio, aquilo foi uma coisa nova, como é para toda a gente. A banda era assim, muito punk rock n roll, punkabilly.

MDX – Achas que foi uma tentativa de chegar ao mainstream do que era a música portuguesa naquela altura?

Jorge Bruto – Talvez da parte do produtor, da nossa parte não havia essa vontade.

MDX – Queriam apenas gravar o vosso disco.

Jorge Bruto – Exacto. Queríamos gravar o primeiro disco. Deram-nos a oportunidade de gravar o primeiro disco, e nós estávamos com vontade de gravar. Não houve uma ideia para nada. Foi “Vamos gravar” só.

MDX – Actualmente continua a ser assim?

Jorge Bruto – Hoje em dia já é mais pensado.

MDX – E o ser mais pensado traz agora implícita uma vontade de chegar a mais gente?

Jorge Bruto – É assim porque qualquer artista, qualquer que seja, precisa de palmas para viver. As palmas são o ganha pão do artista, portanto a quanto mais gente chegas, mais ganhas.

MDX – E lá fora?

Jorge Bruto – O problema de Capitão Fantasma, de Bruto and the Cannibals, o problema das minhas bandas todas sou eu. Não sou fácil de comer, digo coisas que não são fáceis de ouvir a toda a gente e por isso basicamente é assim….difícil….

MDX – Mas dá para jogar com a polémica e a visibilidade que ela traz ou não?

Jorge Bruto – Eu acho que dá, mas quem pode fazer isso é o agente. E nós nunca tivemos um agente.

MDX – Por opção ou por circunstância?

Jorge Bruto – Por circunstância. Os agentes fogem de nós.

MDX – Mas nunca pensaram em tentar lá fora?

Jorge Bruto – Sim, não….O problema é que não há agente. Se não há agente não há quem ande em cima de nós e eu sou preguiçoso, todos somos preguiçosos e depois as coisas não acontecem…no entanto o Bruto & the Cannibals o álbum foi em inglês e esteve em primeiro lugar na Alemanha e na Holanda, aliás foi um disco que teve uma visibilidade incrível fora de Portugal mas mesmo assim nunca nos levou a lado nenhum.

Cantar em português não limita a que seja só em Portugal, mas eu gosto que Capitão Fantasma seja em português…..os Xutos & Pontapés, vais a um concerto de Xutos e as pessoas cantam as músicas de cor. Vais a um concerto de Capitão e as pessoas cantam as músicas de cor. E as pessoas precisam disso. É uma felicidade um recinto inteiro a cantar em português e toda a gente a perceber o que toda a gente diz. Isso é muito bom, porque em inglês as pessoas não percebem ou percebem o básico, o refrão.

MDX – Sem ser a música, o que mais te move, o que mais te anima?

Jorge Bruto – Sei lá…Gosto de pintar, gosto de escrever montes de coisas, mas o que gosto mesmo mais é de escrever. Gosto de escrever tanto em texto corrido como poesia. Gosto de escrever em português que é uma lingua muito rica, vem do galaico português e tornou se muito complexa, muito mais rica.

MDX – Apaixonam-te as questões linguísticas?

Jorge Bruto – Apaixona-me a vida e as questões linguísticas são apenas uma parte pequena da vida.

MDX – Brincas com essa riqueza nas letras das músicas, mas por vezes a polémica não estará no que dizes mas na interpretação que os outros fazem…

Jorge Bruto – Claro que sim, mas eu acredito que é preciso dar nas vistas, falar, dizer coisas. E eu sempre gostei de dizer coisas, sempre gostei de falar. Eu gosto da polémica.

MDX – Gostas de semear o caos para ver o que acontece?

Jorge Bruto – É, vão aparecendo coisas, pessoas. A vida é uma coisa muito bonita e a vida por muito que te fôda, no cômputo geral é boa por isso é que não há bela sem senão!

MDX – A escrita apaixona-te. Já pensaste fazer da escrita algo mais que um hobbie?

Jorge Bruto – Aí bate-me a preguiça e eu acredito que deviam de haver pessoas que deviam de me dizer, olha gosto do que escreves, vou publicar. Em vez de ser eu a correr atrás ou arranjar um editor.

MDX – E correr atrás da música?

Jorge Bruto – Não gosto de correr atrás. Nem da música. Tenho muita força para fazer coisas novas e eu gosto de fazer coisas novas e isso é que é importante. O passado é uma referência, está lá atrás, mas não serve para mais nada a não ser talvez para tirar ideias.

MDX – Os outros projectos, Bruto & The Cannibals e Club Sin, estão em hibernação?

Jorge Bruto – Para já estão a hibernar. Ainda não decidi o que vou fazer, mas enquanto eu existir vou fazendo coisas.

MDX – Não vamos ouvir músicas novas, ainda, mas a vontade de tocar é muita, e o Sabotage depois desta ausência mais ou menos prolongada, é o sitio ideal para soltar toda essa energia?

Jorge Bruto – Digamos que é o local ….. a casa é de um amigo meu. E na verdade até é o local ideal. Vou tocar na casa de um amigo para amigos.

Entrevista – Isabel Maria
Fotografia – Daniel Jesus