Concertos

Yard Act, segunda quase apoteótica!

A melhor maneira de começar o fim-de-semana é por norma um bom concerto! Desta vez foi a melhor maneira de começar a semana. Segunda-feira à noite, a sala 2 do Lisboa Ao Vivo encheu para receber o primeiro concerto em nome próprio dos Yard Act, na sua Dream Job Tour, dedicada ao fresquíssimo Where’s My Utopia que saiu no inicio de Março.

A primeira parte desta noite fresca de Abril ficou a cargo de Murkage Dave, ou David Lewis, que já anda nestas lides há algum tempo (os primeiros registos remontam a 2006, mas com o nome de David Lewis).

Com raízes no soul e no R&B, mas indo tocar campos como o indie Pop ou o house as letras e a maneira de estar de Murkage Dave são um manifesto da sua forma de estar. Em todo o lado que pesquisei, duas das palavras que mais lhe encontrei associadas foram honestidade e integridade. Para mim fez sentido. A mensagem que pretende transmitir, transmite com uma elegância na voz, que está muito para lá das qualidades vocais, uma elegância que se sobrepõe às verdades mais atrozes que possa estar a verbalizar. Quem lá esteve na segunda-feira poderá facilmente reconhecer essa sensação mesmo que a sonoridade de Murkage Dave não seja exactamente a sua praia. As mensagens que as suas músicas contêm centram-se muito nesses dois temas, em angústias que nos afetam mais ou menos a todos e em situações em que facilmente nos revemos (ide ver/ouvir por favor Please Don’t Move to London, it’s a Trap ou Choose Your Own Adventures ). O público correspondeu ao entusiasmo e à entrega muito pura desta primeira parte com bastante entusiasmo, o que me surpreendeu positivamente. Vi demasiados concertos em que a desconsideração pelos artistas que abriam os concertos de bandas ou outros artistas mais conhecidos era muito grande, e ver o fosso que separava os dois momentos de uma noite de concerto tem diminuído agrada-me muito.

Os Yard Act entraram palco imediatamente após ouvirmos The Man Who Sailed Around His Soul dos XTC, e pelo que li parece que é mesmo uma rotina da banda. Conhecia a música, mas não conhecia a letra a fundo. Fui ver na esperança de aí encontrar um qualquer manifesto mas não. Possivelmente é uma música que significará algo para os Yard Act ou uma boa coincidência, mas isso não descobri, mas pela curiosidade do facto figura na playlist que podem encontrar a seguir ao texto (não tenho a certeza de estar completamente correcta).

O meu sentimento para com o recente “Where’s my Utopia” era um pouco ambivalente. Lembro-me de ter gostado de Dream Job quando o single saiu no verão de 2023, mas havia ali qualquer coisa que me parecia faltar. Senti o mesmo quando ouvi o resto do disco apesar de ter gostado bastante de algumas músicas cuja sonoridade se aproxima de coisas que gosto muito como !!! ou Primal Scream. Tem ingredientes que eu gosto mas havia qualquer coisa que não me deixava estabelecer a ligação total. O concerto serviu para perceber isso. Os Yard Act têm um corpo ao vivo e a cores e têm outro corpo em disco, mas são muito mais distintos do que aquilo a que estou habituada. E a palavra é mesmo corpo. É normal que assim seja, mas surpreendeu-me a diferença muito acentuada entre esses dois momentos.

A participação de Lauren Fitzpatrick e de Daisy J. T. Smith valorizam todo o espectáculo de forma assaz provocadora. Além de providenciarem o tal corpo que me pareceu faltar no disco, as suas coreografias, as suas expressões faciais, imprimiram toda uma dinâmica. O público esteve no assunto de corpo e alma do princípio ao fim. Claro que as músicas menos orelhudas de “Where’s My Utopia?” como Fizzy Fish ou Down By the Stream não tiveram o mesmo acolhimento mas quase todo o concerto se pautou por movimento, cor e contestação.

Ouvindo a playlist diria que o concerto começou devagar, mas não. Na verdade as três primeiras músicas, An Illusion, Dead Horse e When the Laughter Stops, foram executadas num ritmo e numa força que não possuem de todo em disco. Dead Horse por exemplo iniciou-se com a sala completamente às escuras e depois lá para o fim levámos um banho de saxofone certeiro ( o meu primeiro pensamento foi “não se faz…vou sair daqui cheia de vontade de dançar e vou fazer o quê numa segunda à noite?), provocadores, e isso sentiu-se logo de seguida com When the Laughter Stops, que começou sem nos deixar sequer respirar e termina com uma fabulosa distorção enquanto Lauren Fitzpatrick finge espancar James Smith (quem tiver vídeos do momento partilhe depois nos comentários porque contado não é assim tão fácil. O momento envolveu uma panóplia de fúria bastante abrangente)!

We Make Hits é daquelas músicas giras, funcionam, porque são fáceis e orelhudas como Payday que tocaram mais á frente. Também tivemos direito a um momento de entretenimento em que um membro do público subiu ao palco para rodar uma roda para decidir qual seria a música seguinte, entre algumas escolhas do primeiro álbum, o altíssimo rapaz de seu nome Ned, vindo de Yorkshire (meteu o público a gritar Yorkshire….) gostava que saísse na sorte Fixxer Uper mas calhou Peanuts!

A verdade é que os Yard Act deram um concerto singular e cheio de ritmo com momentos memoráveis. Daqueles que valia a pena ver o vídeo se ele existisse. Disseram-nos que iam terminar com A Vineyard for The North, mas acho que já todos sabíamos que não, eles próprios confessaram depois que nunca foi essa a intenção. Voltaram para encore escassos 30 segundos depois de terem saído para nos brindar com 100% Endurance em que James Smith nos pede um momento reflexão para nos incitar a ser felizes, por aqueles que não o são nem podem ter o que temos, que não são livres como nós e que por isso lhes devemos aproveitar todos os momentos!

The Trench Coat Museum traz de volta ao palco Murkage Dave (percebe-se bem que já o fizeram antes)… The Trench Coat Museum que originalmente já tem uns belos 8 minutos de duração mas ali poderá ter chegado facilmente aos 12, porque deu para todo o tipo de performances e apresentações e tudo o mais foi o merecido final quase apoteótico para uma segunda à noite!  Tenho a certeza que se voltarem estou lá outra vez, e boa parte do público também.

SETLIST CONCERTO YARD ACT LISBOA AO VIVO