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Club Makumba, dançar pelo futuro, dançar como acto de resistir!

29 de fevereiro é sempre um dia diferente, é quase sempre um bónus (em bom e em mau). Neste caso este 29 de fevereiro, uma quinta feira meia xoxa e chuvosa, abrigou no seu regaço um sem número de eventos muito especiais. Optar era difícil e complicado, algumas coisas mais relacionadas com logística que com gosto pessoal ou curiosidade, mas ir ver Club Makumba ao B.Leza para apresentar Sulitânia Beat ao vivo era obrigatório. Sulitânia Beat segue pelo mesmo caminho do primeiro álbum, gravado quase imediatamente antes de 2020, mas apenas lançado em 2022.

© David Fonseca

Às 21:50 apenas alguns pequenos grupos de amigos, mas poucos minutos de depois já a sala se encontrava repleta. Os Club Makumba que nasceram do encontro entre Tó Trips (guitarra), João Doce (bateria), Gonçalo Prazeres (saxofone) e Gonçalo Leonardo (baixo e contrabaixo), entram em palco cerca de 20 minutos depois da hora marcada são recebidos entusiasticamente na bonita sala do B.Leza. O ritmo contagiante de Maragato preenche quase imediatamente qualquer espaço vazio com a vontade de dançar que se cola aos pés e ao corpo de quase todos os que se encontram ali. Janaina Calling e King Poejo, esta com uma guitarra bem mais marcante que as anteriores, entram logo de seguida, para então conhecermos Sulitânia. É inevitável não ligarmos o que estamos agora a ouvir com tudo o que ouvimos nas duas décadas anteriores vindo das mãos e do imaginário de Tó Trips, talvez neste momento a cara mais mediática dos Club Makumba, e Sulitânia parece ser mesmo essa ponte mais visível/audível, mas numa direção diferente. Para mim essa vida anterior é como se fosse um porto abrigo daqueles momentos de solidão no meio de multidões, mas esta nova vida a mim só me parece é que de repente toda a gente vai começar a dançar e a cantar a mesma música numa espécie de estranhíssimo flash mob em pleno Cais/Caos do Sodré em hora de ponta.

Cada um dos quatro parece imerso no seu próprio transe, quatro caminhos independentes que se fundiram no ritmo. A cada um de nós naquela sala sucedeu em momentos talvez o mesmo, em transe separando-nos uns dos outros para nos encontrarmos novamente mais adiante, sem perguntas, sem juízos.

© David Fonseca

A entrada do contrabaixo de Gonçalo Leonardo em Golden Shangai  leva-nos a fechar os olhos e entrar numa música que vai crescendo devagar até se instalar confortavelmente num ritmo ondulante e suave como quem mistura suavemente os ingredientes para uma qualquer poção mágica a abrir caminho para a alegria contagiante de Samba Catano, anunciado pelo grito entusiasta de João Doce para darmos de repente um salto atrás e revisitar Black Berbere e Danças, com Tugareg pelo meio. O concerto cresce e adensa-se pelas paisagens sonoras tão familiares mas ao mesmo tempo tão à frente do seu tempo, do nosso tempo. Ou não.

Na realidade a sonoridade dos Club Makumba é talvez tudo o que havíamos precogonizado e almejado no final do milénio passado mas que vemos ser constantemente deturpado por gente sem alma, a junção de gentes e sonoridades, a universalidade da música a globalização das sonoridades. E alma e mundo é coisa que não falta aqui. Basta ouvir os primeiros acordes de Alzáfama (junção de Alfama com azáfama? Será isso? Se não é, eu pelo menos consigo posicionar a azáfama daquele bairro naquele som, que depois ali no meio se transformam naquela melancolia tão familiar das casas velhas de Lisboa, velhas mas cheias de alma e vida). Cacimba, essa coisa tão nossa, como que um interlúdio junto ao rio, entra em nós devagarinho. Há encore? Claro que há. Joça a deixar brilhar mais uma vez o saxofone de Gonçalo Prazeres. Ainda tivemos mais um pouco do bom e do melhor dos Club Makumba (até porque não há mais nada) e saberá sempre a pouco, este travo de dança e saudade que agrega pessoas e faz completamente juz ao que os Club Makumba tão sabiamente nos incitam; “Dançar como acto de resistir!”