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Echo & The Bunnymen, A magia de outra era a espaços sincopados na Aula Magna

Quarta-feira 27 de Setembro, dia de ir ver pela primeira vez os Echo & The Bunnymen e até estou pasmado comigo mesmo com as circunstâncias… uma vez que este será o meu primeiro encontro com esta banda ao vivo. Nunca vi os Echo & The Bunnymen em concerto, por uma ou outra razão nunca consegui ou tive oportunidade de assistir a uma actuação desta banda até hoje, e até vou cometer uma inconfidência: por motivos profissionais passei em tempos já longínquos um dia inteiro na companhia do Ian McCulloch, por alturas da edição do álbum ‘Flowers’ em 2001. Recordo na ocasião um almoço com ele e outra conhecida banda também presente na ocasião, banda essa também admiradora confessa de Lou Reed, todos em Lisboa à mesma mesa. Lou Reed que foi tema assíduo de conversa no dito almoço fazia parte de um ´frigorifico da fama` como lhe chamaram, de um dos músicos presentes, com fotos assinadas de vários conhecidos ícones da cena musical a decorar o mesmo. Não é de estranhar que muitos anos volvidos o fantasma de Lou Reed continue a aparecer nas actuações dos Bunnymen como também hoje foi o caso, com a introdução de um medley de “Walk on The Wild Side” a meio da interpretação de “Nothing Lasts Forever” um momento com uma magia simples e bonita do concerto de hoje. De realçar que foi grande a simpatia que senti por Ian nessa já longínqua ocasião, na altura havia saído ´Flowers` era um disco editado por uma editora independente, e o Big Mac (já repararam mesmo na altura do senhor?) havia atravessado um já longo período de reajustamento com a sua banda de sempre. Flowers era um disco honesto em que a faixa título também interpretada na noite de hoje em palco, soava vibrante, misteriosa e enigmática ao ouvinte, não era em alguns anos que se curava simplesmente o trauma de ver um disco dos Bunnymen com as vocais assinadas por outro intérprete como tinha acontecido anos antes (Reverberation 1990) após um primeiro abandono de McCulloch, isto já para não falar da morte de Peter de Freitas, baterista da formação original. Pelo menos em 2001 Ian McCulloch pareceu-me um artista honesto, com sentido de humor, sem papas na lingua, de sotaque carregado e por vezes de dicção quase imperceptível ao ouvinte não habituado ao sotaque de Liverpool. Mas quando Ian canta, tal como se verificou hoje na Aula Magna, a magia da sua voz permite toda a envolvência instrumental dos músicos em palco, o ritmo da bateria e o baixo marcado, as guitarras ritmo e em especial as melodias da guitarra de William Sergeant, que até um mini teclado tocou num tema, não obstante estar acompanhado por um teclista a dar ainda mais corpo à harmonia ou digamos assim, à cacofonia brilhante de sons que alguns dos temas dos Bunnymen exibem.

Já expliquei por que razão fui de coração aberto para este primeiro concerto que assisto dos Echo & The Bunnymen, é certo porem que nem tudo foi imaculado. A duração do concerto podia ter sido maior, a banda dispensou “Ocean Rain”, como segundo encore que tem tocado noutros concertos desta tour, e essencialmente ao arrancar o set, o som ainda estava um pouco desequilibrado durante os três primeiros temas: “Going Up”, “ Rescue” e “All that Jazz” sofriam por falta de graves, faltava a definição do baixo e um pouco mais de definição no bombo da bateria e a voz de Ian estava excessivamente alta. Por altura de “Flowers”, essas questões estavam corrigidas aos meus ouvidos pelo menos do lugar aonde me encontrava na sala, soava já tudo muito bem. Também é preciso recordar que uma banda que tem um álbum na sua carreira discográfica como “Heaven Up Here”, que tem canções tão boas e possantes para serem interpretadas ao vivo, vale na minha humilde opinião, o esforço de ultrapassar qualquer questão para os ouvidos mais sensíveis e, prova disso mesmo foi quando “All My Colours (Zimbo)” foi tocada, a canção arrancou da audiência  uma das mais ruidosas ovações da noite. Um par de músicas depois o mesmo acontecia com “Over The Wall”. Esses temas densos, arrepiantes, são para quem como eu, gosta da fase mais negra e menos pop da carreira da banda, certamente uma escolha certeira no alinhamento. Pessoalmente gostaria de ter ouvido ainda mais temas na mesma veia como “Pictures on The Wall” do disco  ‘Crocodiles’, canção ausente como tantas outras do set list desta tour. Estes veteranos do negrume atmosférico post-punk, com singles delicodoces como “Lips Like Sugar” que mais tarde neste concerto foi a escolha óbvia para o único encore não me desiludiram ainda assim. Outra coisa que é óbvia, é que a sucessão de canções pretende que o set list seja elegante e fluído, condensado um pouco apenas do melhor que a carreira destes músicos tem para dar. Pelo meio do concerto McCulloch cantou algumas músicas sentado, parecia de repente que o concerto se transformara num concerto intimista. Dado o seu sotaque de Liverpool com o timbre carregado talvez também pela bebida que bebericava a espaços, as frases que dirigia ocasionalmente ao público eram claramente de difícil compreensão. Aliás, duvido que alguém tivesse percebido o que quer que fosse integralmente das dessas frases, somente a espaços talvez. Mas esta personagem desprendida que Ian encarna é mesmo assim, contem a arrogância de anunciar “The Cutter” como uma das melhores canções que existem ou algo do género, ou ir-se embora depois do primeiro encore enquanto um dos técnicos afinava ainda uma guitarra acústica para uma previsível “Ocean Rain”, que eventualmente se  seguiria num segundo encore que todos esperavam, e afinal é dada a ordem para acender as luzes da sala e de repente não houve mais nada para ninguém. Uma nota: estes rapazes já não têm vinte anos, para dizer a verdade a audiência também já não tem essa idade, eu pela minha parte gostei muito deste concerto. Se teria preferido que fosse numa sala diferente? Talvez sim, para evitar o ambiente de recital de lugares sentados que senti em temas como “The Killing Moon” por exemplo. Contudo há que admitir que a Aula Magna tem os seus confortos e como referi, nós, audiência também já não temos 20 anos. Talvez o melhor seja retornarmos ao lar cedo num serão de quarta-feira depois deste encontro com estas lendas vivas de outrora que habitavam o imaginário juvenil da maior parte dos presentes nesta noite, levando connosco a lembrança de que pode ser que eventualmente estes rapazes voltem, ou não, mas pelo menos desta vez estiveram cá e tocaram salvo erro 14 canções. Para mim o tempo voou, deve ter sido mesmo curto. Ou então foi simplesmente bom.

Nota de redação: face a indisponibilidade de fotógrafo Música em DX para este concerto, agradecemos a gentileza e amabilidade à chmagazine.pt pela cedência das fotografias que compõem este artigo.

Fotografia – António Luis Silva (chmagazine.pt)