Os Cancro lançaram o seu primeiro álbum recentemente e são o novo projecto do Tiago Lopes, José Penacho e Fábio Jevelim. “+(mais)” é uma diversidade de registos musicais mas com o punk, definitivamente, na base das suas letras. Levam a crítica social e política muito a sério, transformando as suas músicas em pequenos alertas sonoros para uma eventual propagação de doenças latentes nas sociedades actuais: “A próxima música é sobre o populismo, se nós não nos chegarmos à frente com a liberdade os cabrões comem tudo. É demais, foda-se!”
A ausência da bateria é singular neste tipo de registo, mas a opção pelas guitarras e os sons electrónicos combinam bem na voz agressivamente rasgada, mais falada do que cantada, como se fosse um protesto contínuo num megafone distorcido. O frontman da banda foi demonstrando uma atitude em palco de quem estava a sentir cada palavra que pronunciava, a acção do micro atirado ao chão com uma força enraivecida foi disso exemplo. Alguém do público gritou, “Vai-te embora!” e, educadamente, o animal enraivecido respondeu a esta provocação desagradável com um simples: – “Mais um quarto de hora.” Pouco depois desceu do palco, passou pelo público da frente e regressou. Uma actuação curta mas intensa com os 1º e 2º singles, “Plástico” e “71000 frames”, que foram efusivos tanto nos músicos como no público, que já vai reconhecendo o refrão: “Sou um ser humano ilegal / Tenho pensamentos carnais / Tenho instintos animais”. Os beats electrónicos, as segundas vozes e as vozes gravadas, encaixam nas guitarras sem sacrifício. E para uma banda que está no inicio, abrir os concertos de Fat White Family em Portugal, foi seguramente um boost para o seu percurso.
Nota: Todas as receitas das vendas digitais do disco revertem na totalidade para o Instituto Português de Oncologia.
Os ingleses Fat White Family não são estreantes em Portugal, em 2016 estiveram no Reverence Valadas a promover o seu segundo longa duração, Songs for Our Mothers. Época de consumos excessivos de drogas e álcool e sem ainda terem a consciência de que o número de fãs aumentava e o seu peso na indústria da música também. Lias Saoudi (vocalista principal) e Saul Adamczewski (composição, guitarra e voz) esforçaram-se por ultrapassar as suas divergências (Saul saiu e regressou à banda) e apesar das susceptibilidades que os vícios deixam gravados na pele, percebem que ainda podem recuperar o “vínculo frutífero” que tiveram.
Depois de alguma calmaria nos consumos mais pesados e uma retirada espiritual para Sheffield, compõem e gravam Serf Ups!, que acaba por ser uma tábua de salvação para a sobrevivência dos Fat White Family. Em Abril de 2019 a Domino Recording Company dá-lhes crédito e lançam o álbum e iniciam a actual tour no Reino Unido e na Europa. E na verdade regressaram com a garra toda! Desintoxicados, limpos, a fazerem tréguas com o mundo (ainda irão à Austrália) e a surpreenderem o público pela qualidade musical e vocal. Após 45 actuações (desde Abril), em Portugal deram dois concertos incríveis no Hard Club no Porto e no Lisboa ao Vivo na capital (sem direito a encore).
Com um número de elementos muito acima da média das famílias brancas, os 6 músicos dos Fat White Family subiram ao palco do LAV para mais de uma hora de um frenesim em crescendo. Cada um igual a si próprio e diferente dos seus pares, ligados pela simplicidade e pela vontade de quererem (finalmente!) ser bons músicos. “I Am Mark E.Smith” um dos hits da banda a arrancar logo ao segundo tema e a provocar de imediato a extravagância corporal de Lias e do fãs que, apesar de não terem esgotado a sala nem por perto, estiveram em franca sintonia e cumplicidade com a banda.
É mesmo difícil rotular os Fat White Family, acima de tudo, pelo ecletismo de sonoridades que deambulam em cima de um psicadélico pós-punk. Mas são os instrumentos de sopro, como o saxofone que é determinante na maioria dos temas e da flauta que, aparecendo muito menos, não deixa de dar um toque de Inglaterra victoriana apalaçada (e apalhaçada). Essa é uma linha que os demarca no Reino Unido, um cinismo poético da história recente envolto num grafismo sinistro e surrealista. Desceu até meio do público enquanto continuou a cantar, e pouco se importou dos toques e festinhas na cabeça! Seguiu com uma voz tão limpa e sem dificuldades disparava os agudos em linha recta! A guitarra comprometida com os pedais, de onde saia uma voz suave e meiga que acompanhou uma boa parte das música os sopranos de Lias. Uma luz lilás iluminou o palco conferindo-lhe uma atmosfera incrivelmente bonita, enquanto o tema “Bobby´s boyfriend” trazia uns momentos de tranquilidade.
Um concerto cheio de energia desde o primeiro momento, mas foi já mais para além da metade da actuação que Lias Saoudi diz: “Espero que estejam a gostar deste concerto frenético!” A partir do tema “Feet”, que segundo o próprio foi o “Apocalipse Now!” do álbum (difícil de terminar), a agitação foi ainda maior. “This is not a song this is the end”, estas foram as últimas palavras que lhes ouvimos, antes de “Bomb Disneyland”. Esperávamos o mesmo encore do Porto, mas não o tivemos em Lisboa. Seguiriam para Madrid para actuarem no dia seguinte.
Um público bastante diversificado, quer em estilos quer em idades. Os Fat White Family conseguem agradar todos os espectros e por isso a festa foi de todos, dos punks, dos betos, dos cotas, dos freaks e de todos nós!