Opinião Reviews

Murmur, primeiro álbum dos Wildnorthe. Mix saudável de ambientes num registo que raramente vai pela via previsível

Murmur, o primeiro disco dos Wildnorthe, é sem dúvida um conjunto de canções que quer, e que em certas alturas atinge o objectivo de ser original na sua estrutura e arranjos. Com duas vozes a dividir a função de lead vocal em cada uma das canções deste álbum, os Wildnorthe são: Sara Inglês (voz, sintetizadores e percussão) e Pedro Ferreira (voz, guitarras e sintetizadores), em 2019 recebem na sua formação, pelo menos para já no que a concertos ao vivo diz respeito, João Vairinhos dos LOBO (bateria), e pelo menos foi assim que os encontrámos este Outono, pela segunda vez no Sabotage Club, a abrir para The Danse Society. Curioso que fiquei pela performance inusitada por vezes com registos maquinais em palco numa actuação ao vivo que achei que seria ouvir com mais atenção este primeiro longa duração da banda e, só agora, nestes dias pré-Natal é que consegui ouvir este registo post-punk e mais qualquer coisa com maior atenção.

Ao ouvir a faixa “Descend” que abre o disco com a voz de Sara Inglês num curto e repetido mantra, enquanto sons minimais repetitivos enchem o espectro sonoro que soam ao fundo mais  ‘cortantes’, a preponderância dos teclados fantasmagóricos e infernais dão mote à viagem que não será leve para os ouvidos menos habituados a sonoridades dark indie de degustação menos fácil. Esta não é uma música para andar a brincar aos carrosséis, embora com os teclados mais acentuados quando é a vez da voz de Pedro Ferreira tomar conta do lead a fazer lembrar o ambiente da electrónica dos Depeche Mode, pela maneira como vocaliza as palavras algo aparentemente presente na canção “Death Is Precious” enquanto que as orquestrações de teclados e melodias que se vão desenhando ao longo dos ritmos são intensas e dramáticas q.b.

“Savage Eyes”, leva-me instantaneamente para aquele universo tão Siouxsie & The Banshees e tão The Creatures por culpa das vocais de Sara, enquanto performer algo que faz muito bem, até porque adiciona um contraponto muito interessante à voz de Pedro. Este ambiente prolonga-se na muito ritmada “Sour’’, as letras parecem reger-se sobre as dimensões psicológicas das relações entre seres humanos…. talvez aqui esborratadas com alguma tinta preta -, aliás existe mesmo outro assunto para qualquer canção que seja? – Não me alongo sobre isso até porque só os autores o sabem, é uma excelente canção e é o que importa, vivaz, para mim é a melhor canção do disco. “Howler”, recupera a voz masculina de Pedro Ferreira, sendo possivelmente o melhor arranjo instrumental do disco. “Branch”, é a faixa que até ao momento menos me seduz… uma faixa um pouco maçadora (pecado menor) até agora do álbum que se apresenta diversificado. “Passage”, deixa uma boa respiração de alivio com paisagens mais evocativas de um certo universo sonoro típico de discos da 4AD. “Murmur” traz de volta os ritmos potentes e as boas escolhas de sons dos teclados e é a minha favorita pela prestação a nível vocal de Pedro Ferreira. É uma faixa densa e demonstra bem o espírito deste disco que nunca pretende ser um disco fácil, se fosse música de carrossel seria um carrossel dos infernos. “Foresse” fecha o disco num ambiente semelhante ao do início com voz feminina e com o drama que baste, pelo que ao que parece ser uma aposta em seguir por um caminho que a cada série de compassos se torna menos previsível, retomando de novo a ênfase original, e esta será porventura para os meus modestos ouvidos outra das canções favoritas deste disco.. eu teria estendido mais uns compassos à bonita ênfase instrumental final.

Então, em que é que ficamos? o que dizer deste disco, o primeiro dos Wildnorthe? Muito bem conseguido para a mistura de sonoridades que aponta, um registo propositadamente esquizofrênico no sentido em que a construção das canções e arranjos realmente surpreendem e que raramente vai pela via previsível. Dá que pensar. Se houvesse mais investimento ao nível da produção para bandas deste género, que coisas poderiam fazer… de certa forma essa é a beleza: o que fazem com os meios que têm, e dessa forma este disco, o primeiro longa duração da banda é um produto verdadeiramente aconselhável para quem espero eu, leu estas linhas com atenção por exemplo, e que tem interesse por sonoridades alternativas com um mix saudável e variado de ambientes e influências. Um disco equilibrado e bem conseguido deste projecto português.

Recorded, produced and mixed by Tiago Barbosa and Wildnorthe Mastered by Gianni Peri 

All music and lyrics by Wildnorthe 

2019
Album Design by Sara Inglês
Album photos by João Pascoal

www.facebook.com/wildnorthe/
wildnorthe.bandcamp.com
www.instagram.com/_wildnorthe

Released by Regulator Records and Raging Planet.
regulatorrec.bandcamp.com
www.ragingplanet.pt