Opinião Reviews

Omie Wise, To Know Thyself e o mistério da Consciência

A estrada da vida é sempre a mais incógnita, negra e, ao mesmo tempo, entusiasta que temos durante toda a nossa existência. Por vezes, há quem passe por ela tão distraído que não sabe de onde vem nem por que caminho passou. Não sabe se viveu ou se quer viver. No entanto, é essa estrada que nos leva a um conhecimento que nos empurra ao crescimento e desenvolvimento pessoal e nos torna naquilo que somos, sem tirar nem pôr. Todos devíamos ser capazes de tocar o chão desta estrada descalços e absorver tudo de bom e mau com que nos cruzamos na caminhada. Há um disco que me leva a essa estrada, mais especificamente aquilo que conseguimos absorver e ao que fazemos com esse conhecimento travando lutas diárias entre algumas entidades que mais não são que nós próprios. Normalmente essas entidades são a consciência e a pessoa que geram guerras destrutivas e auto reconstrutivas e que, muitas vezes, escondemos atrás de uma máscara. É com uma máscara que o vocalista da banda, que irei apresentar de seguida, se apresenta em palco. Talvez para se esconder, talvez para se resguardar do que vem de fora. Ou, até, para reforçar as várias entidades que tem dentro de si. O álbum que descrevo chama-se To Know Thyself e vem dos bracarenses Omie Wise para nos fazer respirar fundo e deixar o ar espalhar-se lentamente por todos os espaços do corpo. 

Depois de um EP lançado em Março de 2017, 1808, num registo suave, tranquilo, com folk, ambient e prog rock melancólico com alguns traços sombrios que revelava contornos e uma base de intensidade que prometia apoquentar o coração, os Omie Wise apresentam ao mundo no final deste Setembro To Know Thyself, numa afirmação sólida de gostos, texturas e sabores onde consolidam um lado sombrio e belo, ao mesmo tempo, com uma sonoridade progressiva e dark folk. 

Os Omie Wise vêm de Braga e são o Miguel Santos (voz), Fábio Pinto (guitarra acústica, eléctrica e braguesa), Eduardo de Almeida (piano, hammond, mellotron e sintetizadores), João Machado (baixo de 5 cordas) e José Martins (bateria) e dão-nos uma lição de como nos podemos conhecer a nós mesmos. Fazem-no sabendo usar o acorde certo com a intensidade certa e a melancolia exacta na voz mais intrigante. To Know Thyself não é um álbum para todos, tampouco é um álbum que nos vai maravilhar por ser algo novo e fresco. Não! É um álbum que deve ser mastigado no tempo certo e degustado sabendo que faz parte empírica do caminho que percorremos durante a vida. Há um certo desconforto que se cria e que, ao mesmo tempo, alimenta a sede de ouvir e conhecer mais.
O álbum começa com uma introdução de menos de um minuto composta de um som algo sinistro e coros a ecoar na mente, como se lá pertencessem e estivessem a despertar. De rojo entra “Dead Wings Fly Higher, Part I” com riffs inquietantes e uma voz que dá corpo a uma imagética coberta de fantasmas, deles, nossos e de todos. A experiência que sentimos durante a audição desta faixa tanto absorve como explode e expulsa. Há algo de sinistro que nos arrepia e deixa desconfortáveis ao mesmo tempo que temos uma curiosidade e vontade gigante de saltar no escuro de mão dada com a voz de Miguel, a nossa melhor amiga. A música divide-se em duas partes e a construção musical adequa-se à imagética e às diversas fases de tudo. A terceira música é uma espécie de ritual. “Umbra” coloca-nos de imediato à volta de uma fogueira cercados de tambores a quem se juntam os entrelaçados das cordas, dando-nos um nó na mente. As teclas são orientais e entram no ritual para despertar a serpente que dorme ao lado da fogueira. Divide-se, igualmente em duas partes, uma primeira de confronto e turbilhão de sensações e uma segunda de aceitação e serenidade, tranquilizando-nos e apaziguando a atmosfera à medida que a música se aproxima do fim, como se a serpente nos tivesse salvo depois de acordar. “Make a Knot” é uma música de amor e de sonhos. A balada do disco que nos abraça e nos faz ver o céu azul ao olhar para o tecto do quarto.

A quinta faixa deste álbum começa em modo estrondo e com alguma distorção e delay. A velocidade e construção vão aumentando e diminuindo conduzindo-nos a uma pequena confusão mental. Há algo de arrepiante nas cordas que é contraposto ao calor de porto seguro do baixo, terminando numa espécie de ode com as vozes em coro.

“Dead Wings Fly Higher, Part II” é a faixa mais longa do disco e que nos oferece o maior cocktail de emoções personificadas em notas musicais. De repente somos sugados para uma montanha russa de pensamentos e sentimentos onde só conseguimos ouvir ecos da mente. É, também, a música que mais bebe aos anos 90 e que dá mais relevo às teclas. O álbum termina com a faixa que lhe dá nome, numa sonoridade mais folk, numa espécie de equilíbrio e alegria, algo mais melodioso com cheiro a esperança que se pode traduzir num ponto de transição para a próxima caminhada que se aproximada. A deles e a nossa. No fundo, a aprendizagem é fulcral para a maneira como podemos olhar o horizonte depois. Esta última faixa transmite isso! Depois de toda a ansiedade (não necessariamente má) procedente da audição do álbum, é sempre bom chegar a um porto seguro, mesmo que seja dentro de nós!
A música tem esse poder e magia. Quando um álbum não tem a capacidade de nos influenciar, é porque não foi feito com o coração.
To Know Thyself pode não trazer nada de novo ao mundo da música, mas não deixa de nos fazer sentir coisas dentro de nós e, isso, não é o mais importante? 

O álbum é apresentado e lançado no dia 27 de Setembro

Fotografia – Joana Sousa