Backstage

Entrevista na casa dos Salto

Podia ser a introdução e começava um genérico de programa de canal generalista. Mas não. Na verdade foi a entrevista, ou melhor, conversa pós dia de trabalho com os Salto. Com um álbum acabado de estrear, o Férias em Família, e também com um estúdio novo (aliás, quando chegámos ao estúdio ainda o cheiro a tinta e cola estava no ar) em Marvila, o conjunto está progressivamente a se mudar para Lisboa, onde acaba por ser o seu retiro para férias em banda, ou melhor, em família. Conversámos com o Guilherme e o Luís sobre o presente e o passado da banda e o que se segue foi o resultado.

Música em DX – Vocês gravavam na Maia. E passaram agora para aqui [Marvila]. Maia ou Marvila?

Guilherme – Agora Marvila. Pelo menos agora. Mas foi Maia muitos anos, mesmo. Salto começaram na Maia. Na casa do Luís.

Luís – Não, na altura era a tua casa.

Guilherme – Não, já não era. Atenção, eu vivi numa casa e depois o Luís foi viver para essa casa, daí esta discussão. Mas já era o Luís que vivia lá, e por isso… 2007, Salto, Maia. Até este ano. 2018, desde de Abril, foi muito cá.

Luís – Até conseguir fazer aquilo que estamos a ouvir [nota: durante a entrevista estivemos a ouvir The Beatles]. Um ragga. Mas perguntavas também porquê?

MDX – Sim.

Guilherme – Porque é que viemos para Marvila… Eu mudei-me para cá, para Lisboa, há três anos. E tava a ir ao Porto e a vir. E já tinhamos falado, antes disso e durante a altura que vim para cá, sobre a possibilidade. Porque eu vim para cá e casei. E entretanto já tenho uma filha..

MDX – Parabéns.

Guilherme – E já tenho cá uma criança.

Luís – Sou o padrinho.

Guilherme – O Luís é o godfather. [risos] E o Luís também curtia vir para cá.

Luís – Era um bocado inevitável.

Guilherme – Tava tanta coisa a acontecer cá.

Luís – Nós também trabalhamos melhor juntos. Quanto temos uma banda com outra pessoa, trabalhas melhor quando estás com ela.

Guilherme – Já fazemos música há muito tempo. Claro que agora muito mais a sério.

MDX – Entrevistei-vos há dois anos, no S. Jorge, quando foi o lançamento do Passeio das VirtudesE lembro de ter feito uma pergunta que vocês estavam a fazer 10 anos de carreira e se iam fazer alguma coisa. Agora já vão fazer 12.

Guilherme – [risos] Opá… O que celebramos é fazer discos. É a celebração. E tentar fazer cada vez melhor. Passou algum tempo, e não era tão fácil fazermos as cenas à distância. Não é a mesma coisa. Por muito que se diga e imagina. Ainda conseguimos. Primeiro que estou cá é o primeiro ano que sai o Passeio das Virtudes. E foi um ano mesmo fixe, tocámos imenso. E depois muitas das músicas que estão neste novo álbum, nasceram na Maia. Nasceram a ensaiarmos todos juntos na Maia. Diria que é quase metade do disco, ou perto disso. O resto foi cá. Já de ideias que os dois tínhamos.

MDX – E os outros dois estão lá em cima ainda?

Guilherme – Estão… Por enquanto! A ideia é trazê-los. Um pelo menos está em trânsito. Mas também não podemos complicar muito a vida. “Não dá para fazer se não estivermos todos juntos…” Temos de arranjar um esquema que funcione para toda a gente. E que fique entusiasmada para tocar. Agora cá é o quartel-general. É onde as coisas vão estar mais a gravitar.

Luís – É aqui que nós não vamos ter sucesso. E pronto. Para onde quer que nós vamos, vamos ter a promessa do não sucesso. Inevitável.

MDX – Por isso é que fizeram um terceiro.

Luís – Claro. Quanto mais álbuns fizeres, e piores eles correrem… Imagina. Se tivesses mandado um álbum e tivesse corrido mal, pronto. Agora se vais lançando muitos, e todos são maus…

MDX – Pelo menos manténs uma média. 

Luís – E vais consolidando o “mauness”. [risos] Tou a brincar, não acredito nisso. Mas tem piada.

MDX – Uma outra coisa que tem piada é que vocês são primos. Relacionando com o “Férias em família”, passavam as férias juntos?

Luís – Começámos a tocar porque passávamos as férias juntos.

Guilherme – Verão todo na Maia a jogar futebol e a tocar guitarra.

MDX – É por isso o nome do álbum?

Guilherme – É um bocado. Estas mudanças todas de um lado para o outro também e o tempo que demoraste a perceber como é que conseguias voltar a fazer as coisas com o mesmo ritmo, que é agora. Aqui é que estamos a perceber como é que estamos a ter o ritmo que tinhamos feito anteriormente. Se calhar por isso dá uma nostalgia, tipo, imaginares o ambiente em que estás junto. É isso as férias em família. Não é um álbum sobre as nossas férias em família. É bem mais abrangente.

Luís – É aquela sensação de férias em família, quando vais para um sítio e a única coisa que tens de preocupar é comer… Acordar… Estar com a família e estar tranquilo. E é um pouco a postura com sempre fizemos música. No segundo disco estávamos a viver em dois sítios diferentes, e acabámos por voltar ao mesmo sítio. O Férias em Família aconteceu aqui. Decidimos chamar Férias em Família aqui. Porque de repente as coisas estavam muito familiares. Não só por sermos primos. Isso é fixe. O nome tem essa dupla vertente, que é por sermos família mas ao mesmo tempo ser uma coisa incrivelmente familiar, estarmos os dois juntos a fazer música. O Tito se vai juntar daí a um bocado… E o Filipe estamos a trabalhar nesse processo [risos]

MDX – Vocês eram aqueles putos que ficavam cansados a meio do verão?

Guilherme – Eu lembro-me que curtia voltar para as aulas. Sempre gostei de voltar para as aulas. Pá, mas não me lembro de estar farto de férias. Lembro-me de quando estavam a aproximar as aulas e era “fixe, ouve lá...” e voltar a ver amigos. Era mais para voltar a ver amigos.

Luís – Aquele sentido de comunidade.

Guilherme – A nossa família que tava muito tempo junta nas nossas férias e quase vivíamos todos na mesma rua, somos 27 primos! Então imagina como é que tu te fartas das férias… Com 27 pessoas a andar de um lado para outro.

Luís – Há sempre dinâmicas. Mas quando tu voltas para as aulas tu só gostas dos primeiros dois dias. O primeiro dia é fixe, o segundo é fixe. O terceiro dia já estás tipo: “ah, vai ser isto…

MDX – Usas o caderno novo e depois cagas no resto.

Luís – Exacto! Não, este ano é que vai ser! Sumário número 7. E o próximo é o 94 só.

MDX – Já a pensar a aula 100.

Guilherme – A aula 100 é lindo!

Luís – Professora, há festa não há? Há bolo? Aula 100! Quem leva bolo?

Guilherme – Alguém levava bolo.

Nuno [fotógrafo] – E não havia álcool…

Guilherme – Hoje em dia se calhar… [risos] não.

MDX – E voltando ao tema das férias. Há algum destino que tenha ficado na memória?

Luís – Sim, mas o Guilherme tem um óptimo. Lembras-te de quando foste operado ao apêndice?

Guilherme – Eiii. É verdade. Fui a Barcelona com os meus pais e os meus irmãos, duas semanas para um parque de diversões incrível, que é o PortAventura. A montanha russa com mais loopings da Europa. Slogans mesmo… e aquilo era incrível. Mas passados três dias, apendicite aguda, pior que há. Na fase pior da vida. E eram 15 dias, passei 3 dias no parque de diversões e os outros 12 no hospital.

MDX – Ao menos andaste na montanha russa?

Guilherme – Andei, andei. Foi incrível! E depois o carro dos meus pais avariou. Ah, e ainda recebi um gameboy color. Por isso, só eventos incríveis.

Nuno – Já viste? Ficou tudo na cabeça.

Guilherme – Ya, tudo. Com o Asterix. Que é o jogo que vinha. Bueda fixe.

Luís – Não era o Sega Megadrive?

Guilherme – Gameboy color roxo. Já era gameboy color.

Nuno – Pokemon amarelo. Eu tive o pokemon amarelo.

Luís – Sabem o que é que eu fazia? Eu era o único que sabia falar inglês na turma, e então dizia que passava o jogo ao pessoal e gamava gameboys. [risada geral] Mas era algo tipo, em 14 gameboys e passei de facto o jogo umas quatro vezes.

Guilherme – Três processos em tribunal…

Luís – Houve gajos que correram bem este negócio. Mas outros que a maior parte correu mal. Nós mudámos de casa há pouco tempo, e quando fui para a casa do Guilherme encontrei uma caixa com uns 18 gameboys [risada]. Lindo. Mas pronto, Férias em Família sempre foi uma coisa que me acompanhou muito. Ia para casa de amigos e de família. Costumava ir para o Algarve, que era mesmo fixe e sinto falta. Férias com avós é uma cena mesmo fixe! Porque durante o dia é tranquilo, comes bem, estás tranquilo, ninguém tem pressa para ir para lado nenhum… Quando estás com os pais: “Vamos para as praia!” Depois chega à noite e fazes o que te apetece, porque os avós vão dormir. E pronto, sim. Muitas saudades das férias no campo com a família, nós morámos no campo durante algum tempo. Hashtag tbf. To be friday.

Guilherme – UAUUUU. Vais lançar moda.

Luís – Throwback friday.

MDX – O press release do álbum fala de um processo de maturidade musical. Podemos falar como o álbum de afirmação?

Luís – Foi um álbum que nos ajudou a crescer imenso.

Guilherme – Afirmação… Nós a afirmarmos mais é estranho. Nos outros também estávamos a tentar ter o mesmo tipo de afirmação. Dizer a coisa com o mesmo peso para nós.

MDX – Reformulo. Qual é a diferença para o Passeio das Virtudes?

Luís –  Tranquilidade, acima de tudo. A cena do Passeio das Virtudes era uma procura incessante pelo caminho certo. De que maneira nos podemos elevar enquanto artistas, músicos…

Guilherme – Uma cena de banda a soar toda o mesmo. As músicas foram feitas com toda a gente.

Luís – Por isso, fomos atrás disso. E acaba por ser o disco em que olhas para trás e vês no primeiro disco, “sou bueda teenager“. Fomos para um disco em que nos achámos enquanto músicos e agora demos aquele relaxe de “ok, vamos olhar para trás com o à vontade”. Essa maturidade não foi propositada, mas… é natural. Uma história tem três actos, tás a ver? Há um acto inicial em que há uma partida; um segundo acto que tem um desenvolvimento e uma terceira é uma espécie de contemplação. Não vou dizer conclusão porque vamos fazer mais actos. Não é conclusão.

Guilherme – É um ponto de situação. Tipo, e se passarmos muitos anos a fazer muita música que nem lançámos. E fazes muita música mesmo para chegar a álbuns.

MDX – Vocês têm alguma música que gostavam de ter lançado?

Luís – Não, porque a maior parte delas que não lançámos, não foram trabalhadas.

Guilherme – Não foram desenvolvidas até ao fim. Mas eu lembro-me que havia o EP que tinha mais duas malhas, de música que fazíamos ao vivo, de músicas do primeiro álbum. Entre o primeiro álbum e o segundo, lançámos um EP que tinha três bits, e supostamente tinha mais duas malhas que eram do primeiro álbum, que eram versões ao vivo. Mas não fomos autorizados.

Luís – Ah, isso era um dos problemas…

Guilherme – …não precisamos de ir muito por aí. A editora não queria que aquilo saísse daquela forma. Nós respeitamos e tudo bem. Mas essas temos pena. Agora se ouvissemos não iríamos achar nada de especial. Mas na altura pensámos: “Demos ao trabalho, que trabalheira que foi…” Mas tranquilo. Mas voltando à tua questão, acho que também é. Quando começámos tinhamos 17 anos, agora temos 28. É diferente. No primeiro álbum tínhamos 21. Não é assim há tanto tempo, mas nesse tempo que acabas a faculdade e estás há 6 ou 7 anos só a trabalhar, só a fazer música, só a compor, só a dar concertos e a fazer música com outras pessoas, é isso. Ganhas outra maturidade pelo calo que te dá estar a pensar só nisto.

Luís – É quando pensas que é disto que vais viver. Deixa de ser aquela cena de: é fixe porque da maneira como vivo, gira à volta de concertos, de música e de curtir, para: ok, é isto que quero fazer, é para isto que quero crescer, é isto que me completa. Vamos olhar para isto de forma séria, deixa de ser aquela novidade, da efervescência, de adolescente e passa ser mais adulta. Por isso é que o pessoal fala em maturidade, em cenas mais contemplativas. Não é mais conclusivo. É aqui que se calhar encontramos uma afirmação mais verdadeira, mais nossa.

MDX – Mas vocês ainda curtem tocar as cenas de há 10 anos.

Luís – Claro que sim! Deixar cair é de 2012. 6 anos. Já existimos há muitos anos, porque…

Guilherme . Foi feito em 2011. Saiu em 2012.

Luís – … somos primos e tocamos há muitos anos.

Guilherme – Temos 28 anos, e se calhar nos primeiros 10 não se passa muito. Uma banda também tem disso. Quer dizer, nem todas. Começam e passado um ano têm um álbum e carreira já começou. Há muitas bandas que não. Começam demoram anos e anos a fazer coisas.

Luís – O que é engraçado. Que o teu crescimento musical tem de acompanhar de maneira minimamente coerente o teu crescimento mediático. Senão, não há a noção do que queres dizer. Se tu mandas uma música – tipo “one hit wonders” – que tens agora aqueles putos do rap internacional e todos os meses sai um novo, e se calhar os gajos fizeram um EP – porque agora funciona assim ou uma música, e bateu bué, e de repente os gajos são reconhecidos em todo o lado. Só que ainda não têm um concerto com mais de meia hora ou nem sequer têm um concerto. Por isso, se as coisas não são bem acompanhadas, ou não tens uma capacidade de perceber essas coisas, fica difícil de te manteres verdadeiro a ti próprio. Por isso é que por um lado é fixe estarmos aqui há algum tempo e termos a paz de olhar para as coisas como elas são.

Guilherme: Até te digo, nós no primeiro álbum não estávamos preparados para tocar ao vivo. E é um pouco por aí. É bom as cenas terem essa gradualidade e depois começámos a ficar parados. No segundo já era: estamos mesmo preparados para tocar um álbum ao vivo. E agora é um misto, as músicas é que mandam. Ao vivo é outra história. Juntas tudo para fazer sentido.

De Teorias ficou-me um verso [“sonhamos todos os dias”]. Ficou algum sonho por concretizar?

Luís: Claro! Queremos sempre mais coisas do que temos.

Guilherme – Acho que somos muito sonhadores. Sonhar cenas só de Salto, como cenas de vida, que não têm haver necessariamente com a banda. Mas sonhos de Salto são imensos. De tours, de estúdio. ISTO é a concretização de um sonho. [a apontar para o estúdio] Já fizemos isto na Maia, mas com o que aprendemos na Maia de construir um estúdio, estamos a dar outro nível.

Luís – Rebentámos paredes! Na Maia era uma coisa que não tínhamos hipóteses.

Guilherme – Corremos o risco de ver se ficava bem ou não.

Luís: Fizemos várias paredes porque temos o vizinho aqui ao lado. Tipos pra aí três paredes. Temos um metro de paredes. Mas o Teorias é uma coisa de deambulação, em que muitas vezes perdemos tempo e não tem mal, mas muitas vezes dá raia, mas dá caminho. Podes perder-te em teorias, mas define-te.

Guilherme – E passas por elas. Todos nós já teorizámos imenso sobre como vai ser aquilo. Por isso é uma aceitação dessas teorias todas que fazem parte do quotidiano e desses sonhos. Mas com a esperança de dias melhores que virão, são versos melhores. São coisas diretas. É um pouco a olhar para o futuro.

Luís – Um gajo não gosta muito de falar de letras, porque assim as pessoas não têm oportunidade de as interpretarem como elas quiserem.

MDX – Para terminar, há dois anos, no Passeio das Virtudes, tinham o Mar Inteiro. Agora o Rio Seco.

Guilherme – Há uma fixação por água.

MDX – Mas é uma coincidência? Consciência ambiental?

Guilherme – No primeiro não temos nada com água, pois não?

Luís – Acho que se calhar o “Coração bate forte”. A cena é: a água é vida, e uma pessoa tem de passar pelas várias fases. O rio tem de secar para pessoa perceber, ou para ganhar um outro caminho. Eu acho que na vida só tens duas maneiras de aprender. Que é: ou uma cena que te bata muito, uma experiência muito forte. Ou a sofrer. E essa do rio seco é um pouco como ficar à mostra da tua cena verdadeira. E também parecendo que não, vivemos à beira-mar. Tá muito no nosso quotidiano. Mas nós somos a favor de…

Guilherme: Whaaaaaaat? Somos completamente a favor da água. Que nunca acabe.

Os Salto apresentam ao vivo o novo disco “Férias em Família” no próximo dia 6 de dezembro no Lux, em Lisboa, e depois a 2 de fevereiro na Casa da Música no Porto.