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EDPCoolJazz ’18, Dia 26 – O Caloroso Aconchego Pop de Jessie Ware

No início surgiu em tom de brincadeira, mas com o tempo lá que se foi tornando num caso mais sério; falamos da ‘Maldição Jessie Ware’. Depois de tanto ter cancelado concertos pelo NOS Alive e Vodafone Mexefest, em 2015 e 2017 respetivamente, o entusiasmo de se ter a britânica em palcos portugueses cedeu passagem à apreensão de um novo cancelamento por parte da própria. Contudo, quis o destino que à terceira fosse mesmo de vez e foi em Cascais que Jessie Ware voltou a marcar encontro com o público português, em âmbito do festival EDP CoolJazz.

Em noite fresca, a fazer par com este anormal mês de Julho que teima em não querer dar o ar de sua graça, o Parque Marechal Carmona foi-se enchendo timidamente de público, com este a optar por matar o tempo na companhia de um bom vinho e conversa a condizer; a beleza e o conforto deste jardim assenta que nem uma luva à temática relaxante do EDP CoolJazz.

Pouco passava das nove e meia da noite quando Jordan Rakei subiu a palco, naquela que seria a estreia em solo nacional do neozelandês. Num ambiente calmo, longe de euforias mas envolvido num silêncio respeitador, o artista deu a conhecer o melhor dos dois discos que trouxe na bagagem, Cloak e Wallflower, onde Jordan tanto funde R&B à soul e até ao jazz, com esta união a ser feita de forma tão singular que é impossível não se tornar apaixonante.

De voz segura, mas a acusar um certo nervoso miudinho face à pressão de tocar perante uma plateia que pouco ou nada estava familiarizada com o seu repertório, Jordan Rakei revelou-se um mestre dos sete ofícios, aventurando-se tanto por guitarras a marcar ritmo, ao dedilhado e em teclados que sustentavam de base ao impressionante alcance vocal do artista. Ora fosse em momentos galopantes ou melancólicos, só lá para o meio da atuação é que Rakei começou a fazer mossa, muito por culpa das belíssimas “Sorceress” e “Talk To Me”.

Apesar de a versão solta de Jordan ter demorado a surgir, sendo esta mil vezes preferível à contida do início, quando a dita aparecer, deu mais do que argumentos suficientes de estar à altura de abrir para uma artista de tal calibre como Jessie Ware. Terminando com os eventuais agradecimentos da praxe, não há dúvidas que a sonoridade de Jordan Rakei deixou uns quantos elementos do público curiosos em descobrir mais do trabalho do neozelandês.

 

Mentir-se-ia se não se dissesse que havia uma sensação de cautela a pairar pelo Parque Marechal Carmona com o aproximar do concerto de Jessie Ware; “queres ver que ela tropeça nas escadas e cancela mais uma vez?”, ouviu-se perto dumas das roulottes no recinto. Para esta fã que previa o terceiro desgosto de Jessie Ware ao público português, a britânica acabaria por prova-la de errada quando entrou em palco para assinar um dos mais emotivos e apaixonantes concertos a ocorrer nesta edição do EDP CoolJazz.

Jessica Lois Ware é indiscutivelmente uma cantora pop, mas onde as restantes artistas do género apostam em adereços vistos, Jessie recorre ao minimalismo e à simplicidade, quiçá na tentativa de sobressair aquilo que verdadeiramente importa na sua persona: a beleza irrefutável na sua voz.

Com uma (talentosa) banda de cinco elementos – teclados, guitarra, percussão e coro – a serem chutados para a retaguarda, Jessie Ware, com um look a emprestar um pouco à Cruella de Vil, ocupa posição central no palco, com a confortabilidade que sente em cima do mesmo a transparecer a ideia que aquela é o seu verdadeiro lar. E é sem demoras que a britânica convida Cascais a entrar na sua Glasshouse, com “Sam” e “Your Domino” a serem os primeiros avanços do seu mais recente disco a fazerem-se ouvir.

Seguidamente, faz-se um curto desvio ao passado ao som de “Running” e “Champagne Kisses”, com esta última a ser um notável de exemplo do quão versátil consegue ser a voz de Ware, com o refrão a partilhar tanto uma capacidade arrepiante como apaixonante. É inserida dentro desse limbo que Jessie Ware dá cartas enquanto artista pop, intercalando momentos que tanto puxam ao sentimentalismo, como uma “Thinking About You” dedicada à filha, ou a instantes eletrizantes, quase a exigirem só por si uns passos de dança, com “If You’re Never Gonna Make” a comandar essa frente.

Todavia, e jaz aqui um dos mais apelativos pontos de Jessie, é a sua humanidade, longe dos tiques de ‘vedetismo’ que rotulam as artistas ligadas à pop, que nos fazem perder de amores por alguém que consegue ser tão simples como nós; para além das sentidas palavras de apreço para com o público português, assim como para a paisagem do Parque Marechal Carmona – “andamos em tournée há imenso tempo, e este deve ser dos sítios mais bonitos onde já tocámos” – houve o inevitável pedido de desculpas pelos sucessivos cancelamentos de concertos em Portugal, com uma versão de “What You Don’t Do For Love”, de Bobby Caldwell, a ser o derradeiro lamento da artista (“I guess you wonder where I’ve been”). Apesar da apreensão inicial, as desculpas estavam mais do que aceites.

Mesmo com um cancioneiro forte e diverso, todas as canções comentam-se entre si e surgem de forma fluída, com uma coesão que se manteve do início ao fim, com a doçura na voz da britânica, a par do seu gargalhar adorável, a serem constantes. Convidando o público – bem mais numeroso do que em Jordan Rakei – a juntar-se à cantoria em “Kind of…Sometimes…Maybe” – “desde o início que andamos aqui num certo flirt, mas agora chegou a parte mais séria” – Jessie Wate cimentava cada vez mais o visível apreço que o público português lhe detinha, ou não tivesse ela sido acolhida de braços bem abertos logo no começo.

Já para o fim, “Say You Love Me”, tema mais célebre da artista, que até chegou a contar com a perninha do cenourinha Ed Sheeran, foi cantada de forma moderada pelo público, onde a timidez da área VIP do recinto era ofuscada para estrondosa plateia em pé. Plateia esta que teria direito a um upgrade para junto do palco na terminal “Wildest Moments”, levando a uma (saudável) invasão ao espaço VIP e que deu vagar a que os mais acérrimos fãs de Jessie Ware estivessem no sítio que devia ter sido de início ao fim: a frente de palco.

E foi mesmo à terceira vez que Jessie Ware se reencontrou com os seus fãs portugueses, num competente concerto que, longe de ironias, chegou mesmo a valer por três. Com o carinho genuíno emancipado pela artista a aconchegar da brisa sentida no Parque Marechal Carmona, o próximo encontro entre Jessie Ware e Portugal ficou ali marcado para breve. E sem cancelamentos, esperemos nós.

 

Texto – Nuno Fernandes
Fotografia – Jorge Buco
Evento – EDPCoolJazz’18