Acatava a premissa de ser considerado o primeiro fast festival em Portugal: oito concertos, oito horas de música. Depois de ter levado música um pouco por todo o lado através das suas Live Sessions, a EA decidiu subir de divisão e apresentar o EA Live, uma noite feita com o intuito de mostrar o melhor de que se tem feito na música portuguesa.
Allen Halloween, Luís Severo, You Can’t Win Charlie Brown, Samuel Úria, Linda Martini, Mão Morta e o exclusivo Encore Project: ao Som dos Heróis do Mar, com Rui Pregal da Cunha. É difícil não ficar estupefacto com o lote de artistas que se juntaram à causa da EA. Por 15€, o público teria acesso a uma noite bem passada com alguns dos artistas portugueses mais badalados da actualidade. Como resistir à pechincha?
O conceito era simples: oito artistas com direito a 40 minutos de estrelatos, com os intervalos entre actuações a serem aproveitado para mostrar ao público, através de duas enormes telas que cobriam as galarias do Coliseu dos Recreios, como é que os artistas se estavam a preparar pelos bastidores, sempre bem acompanhados pela charmosa Carolina Bernardo.
Em noite que viria esgotar, a Música em DX chegou ao Coliseu pouco passava das 20h, já Allen Halloween e Luís Severo tinham dado o ar de sua graça pela sala. Em palco, os incontornáveis You Can’t Win Charlie Brown emancipavam calor e contagiavam a sala num frenesim dançável ao som de “Above The Wall”.
Estreando-se pelos palcos do Coliseu, os You Can’t Charlie Brown mostraram que aquela sala já merecia a presença do sexteto faz tempo, preenchendo-a na totalidade com a sonoridade tão característica que os define: um misto entre melodias delicadas com electrónica contagiante, num rodopio constante de notas e sons que causam um furacão de diferentes ritmos compulsivos.
Entre guitarras, teclados, baterias e baixos, cada um dos “barba rija” que constituem os You Can’t Charlie Brown enriquecem o resultado final de cada canção com as suas ideias e toques pessoais, sendo surpreendente como é que estes seis tipos, quase todos com projectos paralelos, conseguem dar um pouco da sua identidade para criar algo tão coeso e natural.
Vinte minutos em ponto após os agradecimentos de David Santos (Noiserv) terem antecedido o fim que se faria ao som de “Pro Procrastinator”, Samuel Úria, sempre com a sua pinta e simpatia inconfundíveis, foi o nome que se seguiu, com “Dou-me Corda” a dar início a um concerto com energia para dar e vender.
As más-línguas apelidam-no como “o Elvis português”, mas quem o conhece bem sabe que Samuel Úria é bem mais que um mero doppelganger, com as únicas parecenças ao rei do rock sendo o charme natural e aptidão em criar belas canções. Fazendo-se acompanhar pela sua fiel banda de apoio, assim como o encantador coro 12 Ao Todo, Samuel Úria distribuiu cantigas por todo o Coliseu, convidando os presentes a que se juntassem a si ao som de “Carga de Ombro”, fazendo uso num corredor adicional no palco para tornar a coisa mais intimista e bonita.
Dando bom uso aos quarenta minutos a que teve direito, Samuel Úria foi contagiando a sala inteira de forma a decorá-la com sorrisos rasgados pelo meio do público, este que sempre se foi manifestando através de palmas e cantorias, como foi no caso de “Repressão”. Contrabalançando registos animados com baladas, houve de tudo um pouco no concerto de Samuel Úria, tanto que não nos importaríamos nada de levar com mais quarenta minutos deste adepto ferocíssimo do Tondela, cujo concerto culminaria ao som de “Teimoso”.
Sendo possivelmente a banda mais antecipada da noite, o rock nu e cru dos Linda Martini levou a que o Coliseu entrasse num enorme estado de êxtase, ou não tivessem os primeiros acordes de tanto “Caritano” como “Boca de Sal” levado a uma euforia desmedida que ainda não tinha conhecido precedentes naquela noite.
Ainda com um trabalho fresquíssimo em mãos, muitos foram aqueles que receberam os novos temas de braços abertos, com “Quase se Fez Uma Casa” a servir de exemplo. Porém, foi ao som dos êxitos incontornáveis na já vasta carreira dos Linda Martini que a festa se foi fazendo, ou não fossem “Ratos”, “Amor Combate” e “Unicórnio de Sta. Ingrácia” temas que se entranharam no coração dos amantes da banda.
“Vocês parecem malta muito fixe e nós queríamos conhecer-vos melhor, mas nós viemos foi para tocar”. Custa e sucinta foi a abordagem de Hélio Morais para com o público, mas se a falta de comunicação significava mais tempo para canções susceptíveis da ebulição de corpos, com um rock sublime, daqueles de romper as costuras e causador de uns quantos headbangings e mosh à mistura, como comprovaram “Gravidade” e “Cem Metros Sereia” já no fim, então ainda bem que assim foi. Seguramente, um dos concertos da noite.
Depois da descarga de energia contagiante dos Linda Martini, e numa altura em que o Coliseu já se encontrava cheio, o ambiente que neste se vivia seria submergida na inconfundível maré negra dos Mão Morta, com preto a ser a cor que tingia toda a sala num ambiente de escuridão profunda.
Adolfo Lúxuria Canibal, o inconfundível frontman dos Mão Morta, era lorde e senhor do reino das trevas no qual o Coliseu dos Recreios se tinha tornado, com a rouquidão da sua voz, carregada de emoção, a contaminar as almas de todos aqueles que se tinham repentinamente tornado seus súbitos. Usando e abusando do corredor que tinha sido construído exclusivamente para o EA Live, o vocalista dos Mão Morta rompia facilmente a barreira que o separava do público, levando a que estes momentos de cariz mais intimista facilitassem a ligação para com as palavras que pregava.
De todas as bandas que subiram a palco do EA Live, os Mão Morta eram a mais experiente e duradoura, sem sombra de dúvida, o cartaz do evento estava algo de direccionado a um público mais jovem, longe daquele que é usual em concertos de Mão Morta. Todavia, este factor acabaria mesmo por jogar a favor da banda, com um público que demonstrou curiosidade e interesse do início ao fim, tendo a banda certamente ganho uns quantos fãs à mistura.
A noite já ia longa e o cansaço começava a dar o ar de sua graça, mas no preciso instante em que Paulo Furtado, o The Legendary Tigerman, traz o seu arsenal rockeiro para cima do palco, foi como se todo o Coliseu tivesse repentinamente recarregado todas as suas energias, pronto para uma tareia de guitarradas.
Mesmo com o fresco Misfit ainda na calha, Paulo Furtado percorreu o melhor da sua carreira ao longo do tempo que lhe havia sido concebido, soltando “Wild Beast” logo ao início de forma ferozmente, tal como o tigre que assim é. Apesar de ser um animal destemido, impondo respeito só por si próprio, este The Legendary Tigerman fez-se acompanhar por mais três feras: Paulo Segadães (bateria), João Cabrita (Saxofone) e Filipe Pisco (baixo). A cumplicidade entre estes quatro predadores e a plena sintonia em como tocam levaram a que o rock rugisse bem alto pelas paredes do Coliseu dos Recreios.
Deambulando de um lado para o outro, a energia contagiante de Paulo Furtado era quase o dobro do seu habitual, isto pelo desejo do músico em comprimir intensidade nata dos seus concertos, que duram perto de hora e meio, em quarenta minutos, o que acabaria por gerar um ritmo estonteante ao longo do concerto, ritmo esse que o público soube aguentar (e viver) sem qualquer dificuldade. Com “21st Century Rock’n’Roll” a deixar toda uma sala a entoar o nome deste estilo de música, The Legendary Tigerman chegou, fez e cumpriu, provando que o melhor fica mesmo para o fim.
Já pela madrugada fora, o EA Live reservava uma última supressa: um espetáculo concebido exclusivamente para aquela noite. Apelidado de Encore Project: Ao Som Dos Heróis do Mar, este projeto com direção artística de Francisco Rebelo (Orelha Negra) e contando com o próprio Rui Pregal da Cunha consistiu numa homenagem à icónica banda de rock português que marcou os anos 80, terminando a noite em jeito de celebração.
No dia 30 de Maio, celebrou-se o melhor que se tem feito na música portuguesa ao longo dos últimos anos. Foram oito horas de música que enalteceram a qualidade de artistas portugueses, com muitos a terem o privilégio em pisarem o palco da mítica sala que é o Coliseu dos Recreios pela primeira.
Foi graças ao EA Live que já se pode dizer aquilo que muitos amantes de música em Portugal aguardavam por ouvir: a época dos festivais de Verão está oficialmente aberta.
Fotografia – Ana Pereira
Texto – Nuno Fernandes