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“A Finitude Do Ser Humano”, nas palavras de Nick Cave

É certo que a música tem a capacidade de jogar com as nossas emoções, de nos levar para locais remotos ou de impor o estado de espírito nela inserida; talvez a junção destes elementos justifique o porquê da música pop ser a mais comercializada e a popular, pela alegria contagiante que reside na sua simplicidade.

Apesar de uma forte percentagem preferirem canções capazes de impulsionar alegria, que têm ‘felicidade’ como catalisador principal, há outros que procuram canções capazes de verbalizar as nossas emoções, canções que são reconfortantes pela forma como o artista expõe o seu íntimo num desejo em ser ouvido e compreendido.

Nicholas “Nick” Edward Cave, o australiano que encabeça os Nick Cave & The Bad Seeds, tornou-se num dos artistas mais marcantes dentro da cena alternativa actual, ou não fossem dezasseis o número de discos com que brindou os seus fãs numa vasta e celebrada carreira. Ao longo dos anos, Nick Cave nunca teve receio em levantar o véu sobre as suas crenças em como o mundo é um local sombrio e doloroso, com as suas canções a relatar histórias e episódios tenebrosamente cruéis, acontecimentos onde a realidade é interpretada como deve ser: nua e crua.

A fixação pela dor tenebrosa que reside na realidade fora muitas vezes evocada pela forma como Nick Cave tanto se questionou sobre como a morte é vista como o fim do ciclo. Sendo um dos poucos temas que mereceu romantização por parte de Cave, a ‘morte’ sempre jogou um papel central ao longo da sua discografia.

A sua abordagem perante a delicadeza do tema em questão levou a que muitos fossem os fãs que encontrassem conforto na sua sonoridade, talvez numa dupla tentativa em pactuar e atenuar a dor pela perda de quem já não esta cá. Alienado ao seu tom barítono, o que logo aí lhe retira o estatuto de ser ‘alguém superior’; não, a beleza de Nick Cave reside mesmo na sua posição como sendo só ‘mais um de nós’. E tal como tantos outros humanos vulgares, também Cave é abalado pela realidade…

Foi em 2015 quando a tragédia abalou a família de Nick Cave: Arthur, filho de 15 anos, faleceu no seguimento de uma queda acidental por uma ravina, não muito longe da casa do artista. De repente, Nick Cave, que sempre falou sobre morte, teria agora que vivê-la, confrontá-la.

Abalado por uma dor inigualável, e que nenhum pai deveria experienciar, o processo de gravação de Skeleton Tree entrou em pausa por tempo indefinido. Meses depois, quando regressou ao estúdio, Nick Cave terminou o processo de um disco que ficaria para sempre ligado a um tempo de perde, dor, catarse, mas que ao mesmo tempo tão bem soube enaltecer o poder de o amor. Apesar de a escrita e gravação das canções ter sido feita antes da perda de Arthur, o processo só encontrou o seu término após a tragédia, o que levou a que a memória do filho paire por todo o disco; é de longe o disco mais emotivo de Nick Cave.

É praticamente impossível desassociar Skeleton Tree a um disco de luto. Todavia, muitas são as questões que o disco traz à calha, como a da finitude a que todos nós estamos sujeitos; duraremos até perecermos, navegando num oceano de recordações que tanto pode ser abalado por tempestades avassaladoras ou por ventos guiadores de mudança. Ao longo de um disco que nos confronta com a triste realidade que é a data de validade que nos é imposta, inúmeras são as questões que Nick Cave nos coloca: “como é que lidamos com o fim? Como é que lidamos com o vazio que nos é deixado? Como é que superamos a tragédia?”.

No final do disco Nick Cave canta que “It’s all right now”, não numa tentativa de dar o assunto como terminada, mas mais como uma aceitação de algo que nunca será esquecido. É doloroso, sem dúvida, mas a dor merece ser sentida. A 9 de Junho, em prol do NOS Primavera Sound, chega a vez do público português acolher e confortar esta dor de Nick Cave, num concerto onde, mais do que nunca, o cariz emotivo característico do artista e dos seus Bad Seeds encontrará o seu expoente máximo.

“I call out, right across the sea, but the echo comes back empty.” – Nick Cave, Skeleton Tree

Texto – Nuno Fernandes