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Os Ritmos Exóticos de Cuba por La Dame Blanche

São mais de sete mil os quilómetros que separam Portugal de Cuba, Lisboa de Pinar del Río. Todavia, no passado dia 14, a rota que separa os dois povos dissipou-se de tal forma que o MusicBox, a sala de concertos lisboeta por excelência, incendiou por completo face à intensidade dos ritmos exóticos e contagiantes de La Dame Blanche.

Na passada edição do Vodafone Mexefest, La Dame Blanche enfrentava competição ‘da pesada’: com o seu concerto a sobrepor-se ao de Mallu Magalhães e Kevin Morby, dois dos nomes fortes do cartaz, a expectativa era de uma sala a roçar o vazio. Quis o destino que tal não se sucedesse e assim foi, com La Dame Blanche a ser um dos concertos mais aplaudidos do festival e com muitos festivaleiros a rotularem-no como uma das ‘descobertas’ do festival, algo que sempre foi associado ao Vodafone Mexefest, o de dar a conhecer novos artistas.

Passado quase um ano desde que La Dame Blanche se deram a conhecer ao público português, o concerto do passado sábado acataria a temática de ‘estreia em nome próprio por Lisboa’ e, com base do ano anterior, previa-se uma noite de festa tal como aquela que se viveu no teto do Capitólio. Desta vez, infelizmente, a sorte não sorriu para a banda oriunda de Cuba, com o MusicBox a manifestar-se de forma muito mais tímida e desimpedida com que sempre nos habituou a um sábado à noite; os indícios daquele início de noite apontavam para um regresso inglório de La Dame Blanche aos palcos portugueses.

Como esta coisa de se dizer que um excelente concerto é aquele onde há o comunhão perfeita entre o artista e o público, o de La Dame Blanche apenas pecou pela quantidade do público presente no MusicBox porque, de resto, pouco ou nada se podia apontar a uma banda que tem a capacidade de alterar as condições climatéricas onde quer que passe. E assim foi.

La Dame Blanche é o alter-ego Yaite Ramos Rodriguez, filha de Jesus Ramos, membro dos Buena Vista Social Club, e filha de peixe sabe nadar, herdando os ritmos folgantes e exóticos do projeto do progenitor. Para além de frontwoman capaz de preencher um palco só por si, traz na bagagem a destreza de tocar uma flauta transversal de forma tão angelical e vibrante que se poderia mesmo dizer que tem a proeza de conseguir despertar os espíritos que têm em nossos corpos um refúgio. Repartindo o tempo entre dançar freneticamente e a encantar com o seu instrumento de eleição, é em Yaite Rodriguez que todas as atenções se centram num concerto de La Dame Blanche.

Logo no início, revelava-se bem-disposta e sem medo de enfrentar o touro pelos ‘cornos’, gracejando com o facto de a sala estar tão vazia – contavam-se umas cinquenta pessoas; “as portas estão fechadas, vocês foram os escolhidos para fazer a festa connosco”, dizia em tom meio provocador. Esta, com nuances desafiadores, foi aceite por parte dos ‘fortes’ do MusicBox, que não tiveram vergonha alguma em revelar os seus dotes de dança mais espontâneos, ou não fosse a sonoridade de La Dame Blanche tão contagiante, como é retratada em temas como “Yo Quiero Trabajar”.

Descrever o estilo de La Dame Blanche não só é uma tarefa complicada como chega mesmo a ser injusta: dizer que estamos perante uma mistura de hip hop, cumbia, dancehall e reggae – “hip hop urbano cubano”, como Yaite Ramos o descrevera ao longo do concerto – seria o argumento mais certeiro, mas mesmo aí seria impossível de não sentir que ainda tanto ficou por dizer. Há toda uma misticidade que rodeia a música latina, uma força do além que convida tudo e todos a vestirem os seus sapatos de dança e a fazerem-se à estrada (pista?), e ao longo de uma hora e pouco de concerto, poucos foram aqueles que não se renderam ao frenético ritmo da noite, levando a um cenário que, embora fraco em termos de quantidade, enriquecia qualquer banda ao ver quase todos os presentes da sala a esboçarem sorrisos genuínos de felicidade.

Este foi um dos aspetos mais irrefutáveis no concerto de La Dame Blanche: música para fazer sorrir. Ao longo da noite, cada canção era mais provocadora e incendiária que a anterior, e com Yaite Ramos a dar o corpo às balas em palco, muitos foram aqueles que tentavam o seu melhor para tentar replicar a sensualidade da cubana ao longo de temas como “William”, “Romántica”, “Kikiriki” ou “Esa Noche”, tudo temas do mais recente disco de originais, 2, álbum a partir do qual grande parte da noite se centrou.

Perto do término do concerto, já era possível avistar um MusicBox bem mais composto, talvez em jeito de saudação triunfante àquela que foi a rainha da noite. Por mais pequeno que o seu reino tenha sido, Yaite Ramos era uma governante orgulhosa do seu povo, ou não fosse o objetivo da família real garantir a satisfação da sua nação. Felizmente que neste aspeto, o reino de La Dame Blanche será sempre longo e próspero.

 

Texto – Nuno Fernandes
Fotografia – Ana Pereira