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Oasis, Supersonic no IndieLisboa 2017

Imagem destorcida em que percebemos que estão a começar a gravar a voz de Noel. “Regressando a 1996,o que aconteceu nesses três anos? Questão colocada pelo realizador a Noel, à qual responde, “Essa é uma grande pergunta, que merece uma grande resposta.” A imagem tornasse nítida com a chegada de helicóptero a Knebworth, verão de 1996. Liam e Noel Gallagher olham pela janela a massa humana que enche o recinto. Sorrisos fechados e circunspectos. Liam veste uma gabardine branca e abana as mangas compridas e largas, em movimentos de descompressão. Dá passadas largas enquanto sobe as escadas do palco, olha para trás a sorrir, espera o resto da banda e entram todos a dar pontapés em bolas de futebol gigantes, não fossem eles aficionados pelo Manchester City. Este foi o último grande momento daquela que foi a maior banda britânica, depois dos The Beatles.

Mat Whitecross, realizador galardoado com um Óscar para melhor documentário “Amy” em 2015, recompõe a história dos Gallagher e descodifica a imagem depreciativa que a crítica deixou nos irmãos rebeldes do Rock’n Roll britânico. Sem imagens das entrevistas actuais dos protagonistas, o documentário está repleto de magníficas ilustrações sobrepostas em colagens de recortes de jornais com frases e fotografias. Sequências de material de arquivo editado, vídeo analógico com um fundo “realista”, narrado pelos protagonistas em off, à semelhança de “Amy”. Liam e Noel Gallagher foram os produtores executivos.

Dois de três irmãos, filhos de pais irlandeses imigrantes aterrados na Manchester fabril dos anos 1960. Três descendentes rapazes, fortes personalizadas e chegados ao afecto da única mulher da família, a sua mãe Peggy Gallagher. Olho azul, porte forte para aguentar os primeiros 6 meses de sofrimento na Inglaterra pouco amistosa e mergulhada na motriz industrial do tijolo suburbano. Ofuscados na aragem fria dos subúrbios, os Gallagher foram nascendo em sequências curtas na cidade de Manchester. O irmão mais velho, Paul, aparece logo no início com breves testemunhos da difícil relação de Noel e Liam. Atende um telefonema de Noel dirigido à super-mãe, aquela que sabia desde o início que o sucesso na música estava traçado no destino dos filhos.

O nascimento de Liam (1972) não foi pacífico para Noel. Com 5 anos de idade teve que partilhar a atenção e o afecto da mãe, e o exclusivo da mão pesada do pai. Vítima de violência doméstica, a figura masculina como referente estrutural nas suas vidas foi marcada da pior maneira. Os filhos assistiam a constantes agressões do pai para com a mãe, e segundo os testemunhos de Peggie Gallagher, também Noel foi constantemente massacrado pela violência de Tommy Gallagher. Dois irmãos diferentes, em personalidade e comportamento. Durante a adolescência, Liam era o exuberante. O menino mal comportado da escola e do bairro, enquanto Noel ficava no canto do quarto a compor músicas. Num dos regressos da euforia da embriaguez, Liam sem conseguir encontrar o interruptor da luz do quarto que partilhavam, urinou na aparelhagem do irmão, fazendo estragos suficientes para deixar o aparelho sem concerto. Peggy Gallagher diz que foi a partir desse momento que o ódio aguçou a relação bíblica dos irmãos, qual Caim e Abel. O confronto de personalidade foi algo sempre manifesto na banda. A do Noel felina e a do Liam canina, segundo a visão de Noel. Foi precisamente essa a razão do seu ao apogeu e da sua queda.

Noel ausenta-se de Manchester e numa conversa telefónica com a mãe, esta diz-lhe que Liam é vocalista de uma banda de rock. Ao qual respondeu com a pergunta: “como é que é vocalista se ele não sabe cantar?” A composição musical sempre esteve associada a Noel, a criação das letras e a sequência dos acordes da guitarra faziam parte do processo de digestão emocional de uma adolescência pesada. Apesar do constante conflito, Liam sabia que a pessoa indicada para gerir a banda era Noel, e fez-lhe o convite assim que este regressou a casa. “Oasis” era um nome consensual, e Noel emprestou algumas das suas composições que de imediato foram colocadas na voz de Liam na sala de ensaios, com Bonehead (guitarra), Tony MacCarroll (bateria) e Gigs (baixo). Foi o descolar da viagem supersónica dos Oasis.

Com pequenos concertos marcados, os Oasis ambicionavam ser a melhor banda do mundo e arrasar com a música “McDonalds de Sting e Phil Collins”. Em 1992 Noel compõe “Definitely Maybe”, a música que viria a ser a rampa de lançamento dos moços de Manchester. Com o convite de Debbie Turner (Sister Lovers) para tocarem em Glasgow e, graças à sua generosidade, conseguiram tocar um pare de músicas e o público, inclusive o produtor Alan Mcgee da Creation Records, foi bastante receptivo. Sem darem por isso, tinham Inglaterra em peso a cantar as suas músicas e a comprar os seus discos. Mergulhados na indústria da música, em 1994 com o êxito de Supersonic os irmãos Gallagher foram aguçando a irreverência punk, deixando como imagem de marca actos de vandalismo pelos sítios onde passavam. Ficaram os registos na imprensa como a “new wild band” ou “Never mind the bollocks heres the sex Beatles…” Principalmente nas saídas de Inglaterra, onde as discussões e brigas entre os dois irmãos eram recorrentemente o motivo da destruição: de ferries (ida para a Holanda, onde foram deportados), estúdios de gravação, quartos de hotel e mais uma panóplia de respostas arrogantes para todo e qualquer meio de comunicação social. No episódio do ferry para “Amsterdamage”, quer Jason Rhodes quer de Alan Macgee são cúmplices em relação a esta situação, com um “Adorei” e “Foi brilhante”. O que nos leva a crer que esta rebeldia vândala dos Oasis estava a recriar os novos ídolos do Rock em Inglaterra. O público começou a reagir com a mesma agressividade nos concertos, inundando o palco com garrafas e outros objectos. Estariam a pagar eles o preço da rebeldia?

As saídas da Europa começaram cedo e a chegada a Tokyo (Setembro 1994) foi um dos momentos colossais desta internacionalização, nunca pensaram ter tantos fãs do outro lado do mundo. Corriam atrás deles para todo o lado, sabiam as letras de cor e encheram as salas onde actuaram. Tudo correu bem, estavam felizes e sentiram-se acarinhados pelo público. Outro dos episódios mais marcantes da vida montanhosa dos Oasis, foi o concerto na famosa sala de concertos de Los Angeles, o “Whiskey Go Go”. Depois de largas horas a snifarem riscos de anfetaminas julgando que era cocaína, ficaram 3 dias sem dormir e a exaustão do cérebro refletiu-se no caótico momento da actuacao. Phil Smith (roadie) trocara o alinhamento e cada músico tocou um tema diferente. Depois deste desastroso acontecimento, Noel desaparece de Los Angels refugiando-se em S. Francisco. A relação entre Noel e os Oasis nunca mais foi igual. Se já manifestava atitudes felinas vivendo submerso no seu ego, agora tinha a certeza que a banda estava anos-luz do seu profissionalismo, enquanto músico e compositor.

Continuaram nos EUA e foram para estúdio, para o The Congress House Studio em Austin no Texas. Esta foi a melhor fase de Noel na composição, mais tranquilo, intimista nas letras e nos ritmos. Quando começam a preparar a gravação do segundo álbum, “Definitely Maybe”, começa a azedar a relação com Tony MacCarroll (baterista) e despendem-no. Esta foi uma situação que o próprio nunca conseguiu ultrapassar, levando-a até à barra dos tribunais. Alan White foi o seu substituto. Em Maio de 1995 entram finalmente no famoso estúdio, no Rockfield Studios no País de Gales com o produtor Owen Morris. Aparentemente tudo corria bem, dias seguidos focados nos instrumentos, nas gravações, e no futebol para descomprimir. Cinco dias, cinco musicas gravadas. Mas sem ninguém conseguir explicar exactamente o que despoletou a ira dos Gallagher, em menos de nada partiram instrumentos, equipamento eletrónico, janelas. Depois de ver uma das suas guitarras partidas, Noel bate na cabeça de Liam com um taco de cricket. Depois disto, o baixista Guigs, que segundo o testemunho de todos os outros membros da banda era o mais tranquilo, tem um esgotamento e pede para sair dos Oasis. Scott Macleod dos The Ya Ya´s foi o substituto mas apenas durante a tour dos EUA em 1995, pois de regresso a Inglaterra Guigs regressa à banda.

Liam sofre temporariamente um problema vocal e Noel aproveita a oportunidade para brilhar em palco. Dão início a versões acústicas nos concertos, onde Noel tem os holofotes unicamente para si, enquanto Liam se limitava a tocar pandeireta. Noel feliz, Liam infeliz. E foi nesta luta constante pelo protagonismo e pela cansativa gestão de egos que os Oasis editam três singles que vendem milhões e tocam nos quatro cantos do mundo que os venera.“(What´s the Story) Morning Glory?” é três vezes disco de platina, ganham os Brit Awards 1996, Best British Album, Best British Video com Wonderwall e Best British Group. Apesar dos comentários emotivos de Noel, Inglaterra não gostou de ouvir o líder da banda mais carismática do país dizer que “tomar drogas é como beber uma chávena de chá de manhã”. Abriu os telejornais, foi notícia de primeira página, e incomodou o Nº 10 da Downing Street. Por esta altura, saiu a milionária sentença do tribunal a favor de Tony MacCarroll. A vingança do baterista valeu-lhe uma renda anual vitalícia sobre os direitos da banda.

Mark Coyle (baterista) teve que parar de tocar, devido a um risco de surdez prematura e logo de seguida, Phil Smith deixa também os Oasis. Mesmo não sendo “o fim do mundo” seria “o começo de outro mundo”, nas palavras de Noel. Mas abanou a banda, principalmente Noel que admirava muito Mark Coyle.

Em Março de 1996, tocam em Dublin no The Point. A ideia da mãe poder regressar à Irlanda estava nos planos de Noel, que já estaria nesta altura a construir uma casa. Depois do concerto foram a um bar onde estava o odiado pai Gallagher, controlaram a sua ira e nada fizeram nessa noite. Mas Tommy Gallagher aproveitou a presença da imprensa e deu uma entrevista para um jornal, vitimando-se sobre a falta de apoio dos filhos. A notícia teve um impacto tal, que se criou uma linha telefónica no jornal “News of the World” com a gravação da conversa telefónica de Liam e o pai, a “Oasis family reunion line”. Mais um episódio deprimente para a família Gallagher, mas para Noel tudo o que lhe interessava “eram as canções”.

Mat Whitecross regressa ao verão de 1996, e às 250.000 pessoas que conseguiram bilhete, cerca de 2,6 milhões (4% da população britânica) tentaram adquiri-lo. A imprensa chamou-lhe “o concerto da década”, o derradeiro momento que todos tomaram consciência da magnitude dos Oasis. “Aquilo foi bíblico. Foi tudo e muito mais do que aquilo que tinha pedido. Sentimo-nos intocáveis, supersónicos.”

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Texto – Carla Sancho