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A Magia de um Primeiro Amor chamado Bon Iver

Todos os anos, quando o cartaz do NOS Primavera Sound é anunciado, há sempre um nome no meio dos cabeças de cartaz que se destaca no meio dos outros: quer seja por não ter pisado palcos lusitanos faz tempo, ser um artista que está a emergir ou por se finalmente estrear por cá. Se em 2012 houve The xx, 2013 trouxe Blur e em 2014 contámos com Kendrick Lamar, 2017 é o ano de Bon Iver. Quer seja através da já badalada mas sempre eficaz “Skinny Love” ou da emocionante “Holocene”, o projecto encabeçado pela mente brilhante de Justin Vernon desde que emergiu que faz as delícias de quem o ouve, ora seja pela sua capacidade de tranquilizar e emocionar qualquer coração que o ouça ou pela paixão à música que se sente no núcleo de todas as suas canções, há uma magia existente em Bon Iver como já não nos lembrávamos de ouvir em tempos recentes, com essa a crescer exponencialmente de For Emma, Forever Ago e Bon Iver, Bon Iver.

Se há estilo musical que consegue transmitir toda a pureza e estado de espírito de um ser um humano numa canção, sem dúvida que é o folk e, nesse aspeto, os Bon Iver são reis e senhores dessa praça. Em qualquer tema da banda, é possível sentir a mágoa e o rasgão na alma que Justin Vernon atravessa, sendo fácil de nos identificarmos com as suas canções pois, de uma certa forma, é como se nós próprios estivéssemos a ser representados nas mesmas; são os nossos pedidos de socorro. A questão que se coloca, então, é o porquê de sermos masoquistas ao ponto de ouvirmos alguém que nos remete para momentos trágicos da nossa vida? Simples: a ‘equipa’ de músicos que acompanha Vernon, do qual se destacam Sean Carey e Michael Lewis, que conseguem produzir melodias tão belas que funcionam como uma espécie de rede que nos previne de cair no desespero das nossas infelicidade e que, sabendo nós da sua existência, deixa-nos de sorriso nos lábios por saber que não estamos sozinhos. Esta magia que existe nas canções de Bon Iver há muito que conquistou meio mundo, com Portugal a ser um dos mais fiéis seguidores.

A relação amorosa entre Bon Iver e os portugueses começou no ano de 2012, quando o projeto liderado por Justin Vernon não só se estreou no nosso país como atuou em três ocasiões distintas no mesmo – nos Coliseus de Lisboa e do Porto, 24 e 25 de Julho, e a 26 de Outubro, desta vez no Campo Pequeno. Se já era difícil não ficar impressionado pelo facto de a banda ter sido lançada por cá logo em duas das salas com maior renome em Portugal, isto quando muitas são as bandas que, mesmo trazendo um burburinho positivo na bagagem, costumam ter o primeiro contacto com o nosso público em ambiente de festival, o que dizer de um regresso aos palcos portugueses nem meio ano depois? Foi precisamente isso que aconteceu quando os Bon Iver regressaram para subir ao palco da terceira maior sala de concertos do país, o que confirmava que estávamos perante um autêntico fenómeno; Portugal estava caidinho de amores.

Quis o destino que a união entre ambos fosse sol de pouca dura quando, nem um mês depois de terem esgotado o Campo Pequeno, os Bon Iver anunciaram que estavam prestes a embarcar numa duradoura pausa no mundo da música, embora tenha sido rapidamente esclarecido que a banda não iria terminar – só umas férias sem prazo de duração. Contudo, dentro do seio da projeto, há Justin Vernon, cuja paixão pela música impede-o de o estar parado – afinal, quem faz o que o gosta, nunca está propriamente a trabalhar. Aproveitando este tempo, o americano revitalizou um dos seus projetos, os Volcano Choir, ao mesmo tempo que trabalhava com e contribuía em discos de artistas de renome, como Poliça, James Blake ou Kanye West. Durante este período, a confraternização com tais nomes levou Justin a familiarizar-se com novos estilos musicais e que em muito fugiam ao ‘tradicional’ indie folk característico existente em Bon Iver, abrindo-lhe todo um leque de novos caminhos e possibilidades que poderiam ser facilmente incorporados no projeto que lhe dera fama global.

Chegados ao ano de 2014, as experiências de Justin Vernon por entre novos mundos ganhara finalmente forma através do tema “Heavenly Father”, o primeiro sinal de que os Bon Iver estavam (finalmente) de regresso, e com ele vieram os indícios de uma nova faceta na sonoridade da banda, apresentando uma canção repleta de teclados com um tom sombrio ao mesmo tempo que surpreendia pela sua simplicidade. Passado um ano, começaram a surgir os primeiros concertos e a promessa que um novo disco estava no horizonte, com novos temas a surgirem em palco. Durante estas escassas aparições, notava-se uma onda mais eletrónico derivada que os temas antigos estavam a sofrer, com um ou outro arranjo inovador mas que mantinha a essência das mesmas.

Com notícias de que o terceiro longa-duração dos Bon Iver estava finalmente terminado, era apenas uma questão de tempo até sermos surpreendidos com novas informações, embora tenha sido necessário chegar a (mais de) meio de 2016 para tal em que, de rompante e em meados de Agosto, o nome do disco, o nome dos temas e a data de lançamento foram finalmente anunciados: 22, A Million e as suas dez canções iriam ver a luz do dia a 30 de Setembro. Quando finalmente tivemos em mão o primeiro trabalho de Bon Iver nos últimos cinco anos, era notável que se tratava de um disco ambicioso e irreverente, bastando, para tal, (tentar) ler os nomes encriptados das faixas que o constituíam como “22 (OVER S∞∞N)”, “715 – CR∑∑KS” ou “21 M◊◊N WATER”.

Desde o início ao seu fim, 22, A Million é algo de completamente revolucionário no que à sonoridade de Bon Iver diz respeito: as guitarras acústicas são trocadas por teclados e sintetizadores, despindo toda a essência folk para algo puramente eletrónico e irreconhecível, chegando-se mesmo a ter canções onde a colocação de auto-tune na voz de Vernon é o único elemento que a constitui. Todavia, e apesar desta mudança radical, é ainda possível sentir aquele toque de magia – agora, repleto de imprevisibilidade – que os Bon Iver sempre conseguiram suscitar e fazer qualquer um perder-se em; são múltiplos os regressos que qualquer amante da banda faz a 22, A Million, não pela vontade de ‘aprender’ a gostar do disco e da nova trajetória iniciada pelo grupo americano, mas sim pelo desejo em descobrir todas as surpresas existentes no álbum, as mensagens encriptadas, os novos sons – a alma de Bon Iver.

22, A Million representou um enorme marco na carreira de Bon Iver tal como, nas palavras da revista Pitchfork, Kid A foi para Radiohead. Se para a banda de Oxford o seu quarto disco delineou o percurso musical que até aos dias de hoje ainda perdura – e sendo esta vista como uma das melhores bandas de todos os tempos – há toda uma curiosidade e expectativa para saber qual o próximo passo que o projeto de Justin Vernon dará. Ao surpreenderem tudo e todos com esta sua nova faceta eletrónica, a banda provou que não tem qualquer medo em correr riscos e, acima de tudo, que tem a capacidade de se reinventar sem perder pitada da sua identidade.

A 9 de Junho, os Bon Iver farão a sua estreia em festivais portugueses, sendo um dos cabeças de cartaz do NOS Primavera Sound. Depois de passagens pelos Coliseus e Campo Pequeno para atuações mais intimistas, chegou o momento de se lançar num recinto ao ar livre onde fica desde já feita a promessa de enfeitiçar todo o público com o belíssimo 22, A Million mas sem esquecer as pérolas do passado, naquele que, provavelmente, prepara-se para ser um dos grandes concertos deste ano de 2017, proeza essa que cabe ao NOS Primavera Sound oferecer.

O Música em DX marcou presença nas edições de 2015 e 2016 do NOS Primavera Sound. Para recordar os grandes momentos das duas edições anteriores basta clicar em NOS Primavera Sound 2015 e NOS Primavera Sound 2016. Para seguir a edição deste ano, está tudo em NOS Primavera Sound 2017.

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Texto – Nuno Fernandes
Fotografia (Capa) – Bon Iver