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Wovenhand, O espírito da águia acede ao chamamento dos tambores

Por momentos e, sem dar conta, o ser humano enfrenta desertos de solidão desesperante e poucos caminhos por onde pode avançar. Nestas encruzilhadas, por vezes, tentamos procurar elevar o espírito e procurar conforto em rituais de libertação e limpeza no meio de fogueiras, fumo, águias e xamãs. O concerto que o RCA Club nos ofereceu na passada sexta-feira, dia 5 de Maio, levou-nos a sentir forças a puxar pelo nosso espírito e, se fechássemos os olhos, quase que sentíamos o vento da deslocação das águias em cima de nós. O xamã, esse, estava à nossa frente e conduziu o ritual com uma força e compenetração sobrenaturais.

A noite começou pontual com Filipe Felizardo e sua guitarra experimental. Poucas foram as faixas tocadas, mas todas compridas. O experimentalismo distorcido apoderou-se das colunas e por ali desenhou curvas e contra curvas com tonalidades bipolares envoltas numa dança só dele com a sua guitarra, construindo um caminho mental que só ele acompanhava.

Wovenhand pisou o palco com o mesmo ar compenetrado e sisudo com que saiu. No entanto, rapidamente conquistou tudo e todos que estavam à sua frente. Imaginem um círculo de uma fogueira cuidadosamente desenhado. À sua volta, nativos seminus, incensos, rezas e a natureza a mexer-se. Foi esta a imagem com que nos defrontamos nesta noite. A libertação existiu e, apesar da densidade negra de muitas faixas, o sorriso ganhou e a alma agradeceu o alimento.

O baixo gritava por auxílio enquanto era cuidadosamente acompanhado pelas duas guitarras existentes. Pelo microfone, vintage, saia uma voz grossa disfarçada e distorcida com uma força sobrenatural capaz de criar eloquências disformes e conformes com a ambiência criada pelo poder da alma da águia. Uma mão saia das colunas tecendo carícias em torno de todos os ouvidos. Havia uma progressão constante de mestria musical. Um astral denso e compacto emergia da química instrumental e, automaticamente, nos fazia sair do corpo e sobrevoar o círculo xamânico ao lado das águias, tocando-lhes ao de leve com a cabeça na barriga, ao mesmo tempo que nos víamos lá em baixo a regozijar o momento. David Edwards sabe o poder que tem e aproveitou-o bem em cima do palco. O country alternativo que junta o neofolk e o rock leva os xamãs a guiar-nos por universos densos e assombrosos cobertos de galhos quebrados e panóplias de sabores e texturas que nos perturbam e, ao mesmo tempo, nos oferecem um deleite obscuro e estranhamente bom, deixando um travo a whisky e ópio na boca.

Os tambores entraram com “All Your Waves” e com eles despimo-nos e dançámos. Era impossível não entrarmos no misticismo que acompanhou este concerto. Aqui, foi apresentado o último álbum lançado no ano passado – Star Treatment com “Crystal Palace”, “The Hired Hand”, “Swaying Reed”, “Five By Five” e “Low Twelve”, fazendo ainda uma suave passagem por Refractory Obdurate, The Laughing Stalk e The Threshingfloor.

Após quase 1h30 de concerto, David termina no centro do palco a falar para cada um dos seus lados, como se os índios tivessem estado sempre presentes. A verdade é que até eu os senti e gostei de dançar com eles.

A espera de 3 anos valeu a pena! Que não tarde tanto a próxima visita!

Texto – Eliana Berto
Fotografia – Ana Pereira
Promotor – Amplificasom