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A Moda Americana mais selvagem de Lisboa

O dia 1 de abril é conhecido como o ‘dia das mentiras’, ocasião onde a prega de partidas e brincadeiras estão livres de qualquer tipo punições. Foi nesta data exata que os Moda Americana, banda portuguesa recém-formada de rock alternativo, apresentaram o seu primeiro disco, de nome Singapura, a um MusicBox bem composto, isto tendo em conta a longevidade do grupo; falamos de um bando de amigos que se juntou em setembro último com o propósito de fazer música cantada na antiga língua de Camões mas com uma sonoridade bem assente nos dias de hoje.

Uma “moda” é um movimento que se espalha rapidamente e o sucesso dos Moda Americana foi mesmo de vento em poupa: dois meses depois de terem visto a luz do dia, foram finalistas no Vodafone Band Scounting, concurso que congratula os vencedores com a oportunidade de subirem a um dos palcos do Vodafone Mexefest – este seria ganha por NOOJ e Them Flying Monkeys, onde Hugo Lúzio e Luís Judícibus também espalham o seu charme – e qualquer coisa como meio ano de existência cumpridos, um acordo discográfico com a HAUS apareceu no horizonte. Melhor estreia seria impossível, julgávamos nós até ouvir o disco em si e que rapidamente alterou a nossa opinião para uma certeza incontestável, sendo o passado concerto de sábado o argumento definitivo que a banda nos poderia oferecer.

Em noite de ‘Clássico’, onde o resultado final não favoreceu nem a equipa da capital ou da invicta, o verdadeiro festim foi feito na sala de concertos do Cais do Sodré, vestido a rigor com diversos animais de peluche a decorarem o palco; desde crocodilos, elefantes, macacos, ursos ou até porquinhos mealheiros, a selva estava montada e, como não poderia deixar de ser, foi o rei da mesma a dar o pontapé de saída para a noite, com um breve vídeo de apresentação da noite onde a memorável música de abertura d’O Rei Leão, outro clássico, devia fazer-se ouvir, mas eventuais problemas técnicos não permitiram que assim fosse. Para tal, Nuno Fernandes – nome idêntico àquele que vos escreve – começou desde cedo a romper a fronteira entre banda e público, pedindo aos presentes que ajudassem a banda a cantar o mítico hino que ninguém sabe verdadeiramente como é a letra, mas que mantém sempre o mesmo encanto.

Com este problema técnico ultrapassado, “Toda a Gente” e “Indo Eu” foram os primeiros temas da noite a fazerem-se ouvir, tal como acontece no disco. Logo à primeira vista, sobressai a forma como as canções de Moda Americana ganham toda uma nova adrenalina e intensidade quando interpretadas em palco, o que leva mesmo Nuno Fernandes a virar-se para o público a informar que aquelas ‘novas versões’ eram o mais semelhante que conseguiam ter face ao disco. Estas novas interpretações permitiram desde cedo captar a atenção da plateia que desde cedo mostrou-se recetiva aos mandamentos de frontman da banda, ora fosse a fazer “aquelas coisas com os braços que as bandas tanto gostam” (leia-se, abanar os braços para a esquerda e para a direita) ou a bater palmas em uníssono.

Se há algo que sobressai em Moda Americana – para além da indumentária alternada entre camisa branca e eyeliner ou vestidos e perucas de mulher – que faz com quem os ouça se apaixone de imediato, é a versatilidade da banda em produzir temas fugazes inteligentemente alternados por alguns de cariz mais suave e relaxante. De forma a demonstrar esta capacidade de dinamismo de sonoridades, “Mulher”, “Elefante” – talvez o tema mais forte de Singapura – e “5 Folhas de Cânhamo” apresentaram-se como um tripleto de canções que tinham o intuito de abrandar o ritmo alucinante a que o concerto seguia, mas tentando evitar que o momemtum não se evaporasse como por magia; objetivo pretendido e objetivo alcançado, muito por culpa do sujeito do costume – aquele com um nome interessante – que conseguiu sempre puxar pelo público com as suas intervenções sempre oportunas e que garantiam que não iriam fugir da palma da sua mão, sítio onde rapidamente todos ficaram no início do concerto. A forma como Nuno incentivava à participação por parte dos presentes, tornou os temas mais introspetivos de Singapura em experiências (quase) de teor pessoal, rompendo, de vez, a fronteira entre público e banda.

Apesar de Nuno e todas as suas cantorias serem um dos grandes pontos de referência nas atuações de Moda Americana, é impossível não felicitar e elogiar os restantes membros da banda, cujos olhares de cumplicidade transbordam confiança e espírito de equipa: à forma segura como Hugo Lúzio comanda a bateria de forma imperial ou a postura ora descontraída ora endiabrada de Luís Judícibus (Them Flying Monkeys), ao controlo sublime com que Vítor Teixeira coordena tudo com o seu baixo enquanto Afonso Matos deambula por mil e uma notas e sons atrás dos seus teclados (Alice), junta-se a destreza João Simões (Grand Sun) a apoiar Luís nas guitarras, levando a cabo um autêntico gado musical. De forma a demonstrar a qualidade de todos estes artistas que de jovens só têm mesmo a idade, a altura de mostrarem todas as suas qualidades e capacidades chegaria em “Casa do Rio” e, para terminar em grande, “Singapura”, música que não só os mostrou ao mundo como também foi a chave para abrir um caminho promissor e que certamente culminará com imenso sucesso, tal como merecem.

Antes do jardim zoológico dos Moda Americana ficar à solta, houve ainda tempo para nos aventurarmos pelas florestas ao som dos Madrepaz, quarteto português que mistura ao seu indie rock influências nativo americana e africana, criando uma faceta psicadélica nunca antes explorada. João Barreiros, Canina, Pedro da Rosa, um lesionado Ricardo Amaral e a aquisição de última hora para compensar a guitarra em falta de Ricardo, Fred, proporcionaram um estado de transe de sensivelmente meia hora, mesmo que a adesão, no início do concerto, por parte do público tenha sido algo tímida. Contudo, a qualidade de temas como “Sol Amarelo”, “Sopra o Vento” e “Tudo Morto, Tudo Vive” conseguiu quebrar essa timidez e levar a cabo um concerto sempre em sentido ascendente, culminando com “Se Mifri-O Demoran-Go” e com um outro passo de dança.

O dia foi mesmo o 1 de abril, sim, mas não há verdade mais sincera e honesta quando se diz que, nessa noite, o MusicBox acolheu duas das mais recentes promessas da música portuguesa, ambas com um único disco na bagagem mas com um mundo inteiro para conquistar. O atual panorama musical português está rodeado de diversas pérolas ‘escondidas’ que têm o talento para vingar em qualquer canto, ou, no caso de Moda Americana e Madrepaz, selvas e florestas do mundo.

Texto – Nuno Fernandes
Fotografia – Joana Castro e Diogo Gouveia (Moda Americana)