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A Alegoria da Caverna dos Cave Story

Conta a Alegoria da Caverna, a célebre obra do filósofo grego Platão, que o ser humano tem o a possibilidade de se libertar da condição de escuridão que o aprisiona através da luz da verdade e do conhecimento. Com o lançamento de West, o primeiro longa-duração da banda das Caldas da Rainha, os Cave Story encontraram o caminho da terra das mil e uma luzes, abandonando o reino da ignorância que acolhe cada vez mais jovens com imenso potencial mas que se deixam perder na insegurança de alcançarem a merecida vida de sucesso. Não conformados com um eventual destinado já traçado, Gonçalo Formiga, Pedro Zina e Ricardo Mendes deitaram mãos à obra e construírem um dos discos de estreia mais sólidos e competentes deste ano de 2016.

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Face a qualidade da banda e do álbum que criaram, este merecia ser apresentado em grande plano, naquela que é uma das salas que andará sempre de mãos dadas com a música portuguesa: o MusicBox, onde na noite de dia 11, o tripleto de garage rock apresentou-se na sala de concertos do Cais do Sodré para apresentar West na íntegra. Contudo, e regressando ao passado grego, a escuridão da caverna cegou as camadas jovens que se previam encher a plateia, não querendo ser ofuscados pelos antigos colegas que encontraram a saída e acolheram todas as experiências que uma vida com mente aberta pode oferecer; faltavam quinze minutos para o relógio alcançar a marca das onze horas e a sala estava ainda meio deserta.

Com cinco minutos a separar o ponteiro das dez do das onze, a banda subiu ao palco para demonstrarem aos presentes que ali se reuniram e que, talvez, quisessem seguir-lhes as pegadas e sair das suas autoimpostas cabeças de bolha, que o caminho iluminado é muito mais saudável. Para estes curiosos, os Cave Story chegaram e citando Brian Johnson: “For Those About To Rock (We Salute You)”.

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Não se poderia pedir um melhor começo de concerto do que com a ‘ameaça tripla’ de canções com que os rapazes das Caldas arrancaram a noite: “Southern Hype” demonstrou que consegue causar o mesmo nível de ímpeto independentemente dos anos que carregue em cima; “Body of Work”, primeiro single de avanço de West, provocou uns quantos trauteios pelo público a dentro, ao mesmo tempo que Gonçalo Formiga provava as suas competências enquanto guitarrista; provavelmente a melhor faixa do álbum, “Darkness Is A Figure”, levou a banda por uma onda mais instrumentalista, desencadeando (ainda) mais adrenalina do que a versão de estúdio. Apesar da entrega estrondosa, o paralelismo com a obra de Platão permanecia: a audiência não queria sair do mundo obscuro com que se tinham familiarizado, não havia qualquer indício ou desejo de mudança; em concertos da banda, mosh e crowdsurf são palavras dominantes, todavia o público estava estático, imóvel.

Deparando-se com tal situação, a banda recorreu a “American Nights” de forma a tentar elucidar aquelas mentes ocas e à deriva, mas com pouco sucesso. Desde que começaram a pisar palcos, os Cave Story foram sempre elogiados pela maneira como conseguiam dar um boost na energia das suas canções, dando-lhes a devida energia e pujança que muitas vezes são ofuscadas na sala de estúdio. De certo modo, esta persona permaneceu-se intacta durante o concerto, mas o sentimento de apreensibilidade face ao público era palpável, sentindo-se a banda nervosa, uma palavra que certamente nunca se imaginaria que constasse no dicionário destes rapazes.

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Para remediar a situação, houve a ajuda de terceiros; “queremos chamar ao palco o melhor amigo dos Cave Story, o Manel Simões!”. A presença de um ombro amigo para ajudar nas guitarras dos temas “Microcosmos”, “Modeller” e “Trying Not to Try” ajudou os rapazes a encontrarem o seu rumo e não se deixarem ser consumidos pelas reminiscências da obscuridade da caverna, emitidas pelos jovens fora do palco. A presença de um quarto membro, que também encontrou o caminho da salvação, levou a que os olhares de indiferença se começassem a transformar em aceitação e até deslumbre; demorou, mas finalmente os curiosos viram que a rota para o lado colorido da vida estava ao alcance de uns poucos passos. O fim estava prestes a chegar, mas os Cave Story teriam a companhia que pretendiam, pena ter chegado tão tarde.

Despedindo-se de Manel Simões, que ajudou na transição impecável dos temas mais instrumentalmente elaborados de West para palco, o concerto continuou com nova garra e o recém-convertido grupo de crentes, que proporcionaram um público digno de um concerto do tripleto ao som das últimas “Like Predicted” e “Youth Boys”.

Se há coisa certa na vida de cada ser humano é a existência de decisões em praticamente todos os dias da nossa existência. Gonçalo, Pedro e Ricardo seguiram em frente com as suas ideologias e destacaram-se das multidões enquanto jovens promissores no mundo da música, como rapazes com a sabedoria para fazer as escolhas acertadas e cativar multidões em seguir as suas pegadas. Talvez não fosse a apresentação que um disco tão robusto como West merecia, mas tal cenário apresentou um árduo desafio para banda das Caldas da Rainha, o de dar a volta a um público que, por mais admirador das suas canções que fosse – “Body of Work” recolheu cantorias onde não se previam – estava apático e desnorteado. Felizmente conseguiram, ou não tivessem encontrado sabedoria e conhecimento no exterior da caverna.

 

Texto – Nuno Fernandes
Fotografia – Daniel Jesus