Concertos Reportagens

Lição de Voo Nº5, Um manual de crowdsurf pelos The Parrots

Dita o provérbio espanhol que “de Espanha nem bom vento, nem bom casamento”, mas os últimos meses vieram provar exatamente o contrário, pelo menos ao que o seu panorama musical diz respeito; recentemente, o país vizinho tem exportado inúmeros artistas da cena alternativa em busca do sucesso internacional, com os Mourn ou as Hinds a serem alguns desses exemplos, ambos com sucesso. Falando sobre as últimas, as madrilenas nunca esconderam a sua forte relação de amizade para com os The Parrots, um trio de enérgicos rapazes cujo Diego García, Alex de Lucas e Larry Balboa dão a cara por. Seguindo as pegadas das amigas, aventuram-se também pelo garage rock, todavia as influências punk permitem-lhes alcançar uma sonoridade mais lo-fi e suja, esbarrando desde logo as possíveis comparações que poderiam ser feitas com as compatriotas. Contudo há uma que exige ser mencionada: o afeto que o público português nutre por ambas as bandas – recíproco, diga-se de passagem – e que faz de Lisboa presença assídua nas tournées; desde a sua estreia em 28 de junho do ano anterior que os The Parrots já tocaram em Portugal em quatro ocasiões distintas, com a passada noite de sábado a oficializar a ‘vinda-número-cinco’.

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Depois de terem deixado o MusicBox e o Palco EDP do Super Bock Super Rock ao rubro em março e julho, respetivamente, os The Parrots tomaram novamente a sala de concertos do Cais do Sodré como residência para apresentar o seu novíssimo disco Los Ninos Sin Miedo. Mesmo caminhando para a sua terceira atuação em terras lusitanas no espaço de um ano, um concerto em prol de um novo álbum é sempre motivo de festa, o que justifica o enorme amontoar de gente que encheu o MusicBox, mas antes que os ‘papagaios’ levantassem voo, houve ainda tempo para acolher o regresso de Modernos. Depois de seis meses parados para que os Capitão Fausto aquecessem as estradas de norte a sul do país com o seu belíssimo Capitão Fausto Têm Os Dias Contados, Tomás Wallenstein, Salvador Seabra e Manuel Palha voltaram com toda a carga às suas malhas arrojadas e que já conquistaram um lugar nas camadas jovens portuguesas.

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Mesmo sendo apenas 3/5 dos tão amados Capitão Fausto, os Modernos carregam consigo a mesmo legião de fãs incondicionais, notório a partir do momento em que começam a tocar músicas do seu curto reportório. De forma a entrar com o pé direito, o ritmo alucinante da fugaz “24” abriu o caminho para um (tímido) mosh que serviu para endiabrar os ânimos e deixar o público desde cedo na palma da mão dos três músicos. Com canções como “Sexta-Feira” ou “Panado Cister” a manter o concerto a todo o gás, a banda geralmente alternava canções com jam sessions, onde os improvisos momentâneos que protagonizavam tanto despertava a loucura na plateia como repousava os ânimos quando Wallenstein se aventurava num teclado – de cigarro na boca, ou não fosse essa uma das imagens de marca do cantor. Antes de “Dia de Sol”, o espírito descontraído do frontman veio à calha quando consultou a sua setlist improvisada – um pedaço de papel rasgado, daqueles que servem como pano de mesa nas tascas por ali perto – como o próprio ficou surpreendido com a rapidez com que as músicas estavam a desvanecer.

O momento alto do concerto veio fora do currículo dos Modernos e em jeito de homenagem a Bob Dylan, com uma recriação de “Shelter From The Storm”, num momento bonito, calmo e diferente do que se esperaria de um concerto de Modernos. Visto que o seu reportório é tudo fruto de EPs – tanto a solo ou nas compilações da sua editora discográfica Cuca Monga – os Modernos não têm uma grande abundância de canções, como o próprio Tomás reconheceu já no término da atuação; “como somos uma banda com muito sucesso e cheio de trabalhos discográficos, estamos prestes a acabar. Ainda temos mais uma, obrigado por terem vindo!” Ironizou, antes de apresentarem o seu tema mais conhecido “Só Se Te Parecer Bem” e gerarem uma autêntica aula de canto pelo MusicBox dentro, com Domingos Coimbra a subir ao palco para fazer de maestro enquanto demonstrava os seus moves de dança mais sedutores. Todavia, os fãs mais fiéis de Modernos sabiam que a noite não podia terminar sem “Casa Arder” e mal, soaram os primeiros acordes, os iniciais mosh geraram crowdsurfs intermináveis, com dois a três fulanos no ar ao mesmo tempo e até um mais sortudo – com uma parecença irrefutável a Jesus Cristo – a acabar em cima do palco. Para além a festa ter sido bonita, não haveria melhor maneira para anteceder o concerto de The Parrots.

Mesmo após um intervalo de meia hora entre concertos, onde tempo para acalmar os ânimos foi algo que não faltou, os três jovens espanhóis conseguiram agarrar a mesma adrenalina com que o concerto de Modernos terminou e desde aí que se presenciou uma atuação a 200%, do início ao fim. Para começar, “Let’s Do It Again” gerou logo um mosh bem mais ‘maduro’ do que aqueles que Tomás Wallenstein e companhia suscitaram anteriormente, embora tenham mantendo as mesmas gargantas afinadas a cantar os refrães simples e de fácil memorização. Dirigindo-se para o público num misto entre espanhol, português e um pouco de inglês à mistura – ‘portunholês’? – confessaram que adoravam Lisboa e perguntavam sistematicamente se “Estão todos bem? Ou estão todos mal?”, sabendo que a resposta seria sempre a opção afirmativa; de qualquer das formas, demonstrar este interesse só vinha carimbar a relação amorosa entre os The Parrots e o público português, que se manifestou em alto e bom som através de palmas sincronizadas em “E.A. Presley”. Era oficial: aquela juventude sónica estava rendida.

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Entrando em maior detalhe na essência dos The Parrots, não há nada de inovador ou mirabolante que faça das suas canções algo fora deste mundo: as canções não transcendem a barreira dos três minutos de duração, têm entre dois a quatro acordes e a lírica não é propriamente rica. Mesmo produzindo música do mais simplório que para aí anda, como “Jame Gumb”, Diego, Alex e Larry conquistam-nos por essa mesma simplicidade, pelo desejo de fazer temas capazes de alegrar a vida de alguém. E nisso, é impossível não tirar-lhes o chapéu: independentemente do que estejam a tocar, há sempre um sorriso de orelha a orelha em cada acorde que soltam e uma entrega incrível, como se estivessem a tocar o último gig da sua vida. Aliás, por vezes, até parece que a banda está a divertir-se mais do que os próprios fãs, ora seja a entrar nas suas brincadeiras ou recusarem o parar de uma música só porque uma guitarra ficou sem corda, como sucedeu em “A Thousand Ways” – gentilmente substituída pela característica Fender azul-bebé de Wallenstein. Os The Parrots são uma daquelas cuja linha que separa os ‘músicos’ dos ‘ser humanos’ é praticamente inexistente; são apenas três rapazes que querem divertir e serem divertidos. Face a um público que partilhava dos meus interesses, haveria alguma maneira de não ser amor à primeira-vista?

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Após quase uma hora alucinante de concerto, cheia de sorrisos, saltos e as outras cowboyadas do costume, a hora de partida estava prestes a chegar, mas não sem antes as suspeitas do costume: “No Me Gustas, Te Quiero”, para além de ter sido entoada em plenos pulmões, com e sem instrumentos, rompeu a fronteira entre banda e plateia, originando uma invasão de palco que o encheu pelas costuras, com cerca de vinte pessoas (felizes) a gritar com toda a alma e toda a pujança o grande êxito dos The Parrots; “All My Loving”, cover dos The Almighty Defenders, ‘correu’ com os miúdos, que tinham trepado para junto dos músicos, através de saltos posteriormente convertidos em crowdsurf, só que desta vez foram acompanhados por Diego e Alex, que continuaram a tocar os seus instrumentos pelos braços de um MusicBox completamente cheio, naqueles que foram os voares mais belos de papagaios de que há memória. Na sua quinta estadia por Portugal, os The Parrots repetiram a dose: vieram, chegaram e encantaram. Venham as vezes que vieram, haverá sempre braços para os acolher e ajudá-los a levantar voo por salas a dentro, mas isso, claro, já eles sabem.

Texto – Nuno Fernandes
Fotografia – Nuno Cruz