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Musicbox Lisboa, Um coração que pulsa mais do que nunca. Entrevista com Pedro Azevedo.

Já o tínhamos indicado nestas páginas (web, claro), mas a conversa com Pedro Azevedo confirmou as nossas expectativas – dez anos é um marco do caraças para uma sala de espectáculos. Tendo como mote a celebração do décimo aniversário do Musicbox, o programador abriu-nos as portas da sala literalmente embutida no coração do Cais do Sodré para uma conversa cândida sobre o legado do espaço, o seu percurso sustentado e o seu futuro auspicioso. Dez anos é muito tempo para condensar numa entrevista de vinte minutos, mas fizemos o nosso melhor para perceber como é que o Musicbox chegou até ao seu actual patamar e o que é que a sala significa para os seus intervenientes, levando até o pobre do Pedro a ir para casa com problemas de consciência, mas por bons motivos.

O Musicbox atinge o seu 10º aniversário este ano e a ocasião só será efectivamente assinalada em Dezembro. Contudo, vocês estão a organizar concertos celebrativos para o final de cada mês, a começar já em Janeiro. Queres explicar como é que isto está a ser planeado?

É o aniversário dos dez anos, data redondinha, e por isso vamos fazer dez festas, que irão representar a nossa filosofia programática e a nossa forma de estar na cidade. As festas serão todas muito diferentes entre si, esta primeira com o Jay-Jay Johanson, a segunda com o Stephen O’Malley dos Sunn O))), por isso acho que dá para perceber qual é o tipo de programação que nós fazemos. Aliás, penso que quem gosta de cultura e de música ao vivo, se está em Lisboa e não tem estado a dormir, acho que sabe qual é a nossa filosofia programática. Portanto, são dez datas, não vão acontecer em Agosto, porque nesse mês não fazemos espectáculos, nem em Outubro, porque temos o Jameson Urban Routes, e acabam em Dezembro, no dia em que sopramos as velas.

A derradeira data vai ser precedida de vários dias de concertos como no passado?

Sim, nós temos por tradição fazer por alturas do nosso aniversário o Birthday Weekend, que tanto pode ser dois dias como uma semana. Este ano que passou foram três dias, no anterior foram seis. O que é que isto quer dizer? Que essa semana está reservada para as celebrações. Acho que ainda é um bocado prematuro estar-te a dizer quanto tempo é que vai durar. De certeza que não vai ser só um dia, eu até acho que vai ser uma semana, mas vai depender de uma série de factores. Mas sim, vai ser um período de celebração, um minifestival.

É que sendo um aniversário de alguma magnitude, as coisas têm de ser programadas com alguma antecedência, certo?

Eu julgo que vai ser o ano inteiro que vai ser muito forte, não vai haver uma mudança no que toca à programação do Musicbox, mas vai haver uma maior intensidade. Isso está patente. Nós, entre a última semana de Dezembro e a primeira de Janeiro, confirmámos cerca de vinte e tal espectáculos, desde os Soft Moon, o Jay-Jay Johanson, Stephen O’Malley, A Place to Bury Strangers, e nem todos fazem parte desta celebração. Isto significa que o Musicbox, em 2016, está mais intenso, continua fiel à sua linha programática, que é um grande saco onde cabe tudo o que tem qualidade e relevância – os nossos parâmetros de escolha de artistas.

Voltando um pouco atrás, hoje em dia o Musicbox é um sinónimo de relevância e programação de qualidade, mas como é que foi a escalada até este ponto? Como foi começar no Cais do Sodré pré-Rua Cor-de-Rosa?

Foi feita com muitos “cojones”, esse é essencialmente o nosso grande “statement”. Foi precisa muita coragem. O Musicbox é um espaço 100% privado, não tem financiamento público ou estatal, e acho que é preciso coragem para estar aqui durante dez anos e para dar a intensidade que acreditamos conseguir oferece à cidade. Acreditamos não, conseguimos! Prova disso é que já estamos cá há dez anos. Uma nota, o Musicbox no ano passado produziu cerca de 400 espectáculos, mais DJs, o que significa que passaram por aqui cerca de 1500 projectos. Foi precisa muita coragem para arriscar, para vir para cá numa altura em que o Cais do Sodré era teoricamente uma zona complicada e conseguir desmistificar e ser uma parte integrante daquilo que é hoje o Cais. É uma questão de coragem e um sentimento de missão cumprida para com a cidade e os lisboetas, já que nós não produzimos espectáculos para nós, para a nossa “punheta”, é mesmo para quem nos consome.

Dá a ideia que os anos no mundo do espectáculo são como anos de cão…

Ui… Nós temos para aí uns duzentos! (risos)

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Como é que se avalia o risco no que toca à produção de eventos? Como é que se aborda este tipo de negócio?

Novamente, com muita coragem, e tanto eu como qualquer outro programador das salas de espectáculo do país e até da Europa podemos dizê-lo. Tu não consegues ganhar todas e de certeza que também não vais perder todas, a não ser que trabalhes muito mal. No rácio de espectáculos esgotados versus os que não estão esgotados mas deveriam estar, a balança pende para os segundos. Mas isso é fruto dos tempos em que vivemos, da forma como consumimos música hoje em dia, que é muito rápida, muito instantânea. Nos tempos que correm um gajo consegue formar uma opinião em dez minutos para um disco que tem uma hora de duração e isso acaba por retirar muita beleza ao espectáculo ao vivo. A partir do momento em que tu não consegues consumir um disco de uma ponta à outra, dificilmente te vais conseguir deixar surpreender ou sentir emoções mais fortes em relação a esse espectáculo porque a música só te diz mais ou menos. Perdi-me um pouco na resposta, mas, voltando atrás, é preciso coragem. Como é que avalias o risco? Não o fazes. Fazes uma avaliação mínima, mas depois corres o risco e vês os resultados, é muito simples.

Partindo logo do princípio que vocês se movem num meio quase exclusivamente independente e de que não são uma sala de espectáculos muito grande, como é que se programa para uma casa como o Musicbox? Vocês dão tanta primazia a bandas internacionais como a projectos nacionais emergentes.

Eu acho que a grande vantagem é a intensidade. Outra vez, 1500 projectos num ano é prova disso, e é muito gratificante perceberes que consegues dar voz a muita gente, seja internacional, emergente ou até amador, desde que tenha qualidade e relevância no determinado contexto duma noite. Nós programamos mais artistas nacionais do que internacionais, também por questões financeiras, mas não só. Nós temos uma cena musical muito activa e muito interessante, cada vez mais, na minha opinião. Durante os anos 90 até ao fim dos anos 2000 a coisa esteve um bocado parada mas desde então que tem vindo a crescer e sinto de algum modo que estamos a criar bases para uma nova identidade de música portuguesa. A nossa aposta baseia-se apenas nestes dois critérios: qualidade e relevância.

Há um forte trabalho de curadoria em todo o planeamento.

Sim, o Musicbox é um projecto de programação de autor, ou seja, muito raramente alugamos a sala. Falavas há pouco do risco e o risco tem de ser partilhado, temos vários modelos de negócio que fazem com que o risco seja partilhado entre nós e as bandas, até porque não temos espaço para comunicar a toda a gente, não existe comunicação social para comunicar todos os concertos que fazemos e achamos que as bandas também devem comunicar com o seu público. Isto faz com que as bandas se mexam mais e estejam mais próximas do seu público, o que é bom para elas.

Pode-se traçar um paralelo entre a emergência da cena musical portuguesa com a abertura de mais salas? Será uma relação simbiótica?

Claro, sem dúvida, mas se analisarmos a coisa de forma um pouco mais profunda, eu acho que faltam mais Musicboxs à cidade, mais ZdBs, mais Sabotages, mais Damas, mais Luxs, porque nós não podemos dar voz a todos. É preciso que haja ainda mais salas para que se possa formar verdadeiramente um circuito. Com mais salas também vais formar mais público. O Musicbox é parte integrante de tudo isso, mas está inerente ao nosso papel. Um clube para trezentas pessoas numa cidade com um milhão e meio de habitantes tem por inerência esse papel e foi por isso que nós nos constituímos, para ser uma sala acessível a toda a gente e com espectáculos com preços acessíveis e concertos intensos. Por exemplo, podes assistir aqui, sei lá, aos Orelha Negra… O primeiro concerto de Orelha Negra aconteceu no Musicbox, uma conversa entre o Alex [Alexandre Cortez, programador do Musicbox] e o Fred [Fred Ferreira, baterista dos Orelha Negra] levou-os a tocar no Jameson Urban Routes. Eles são gigantes mas quando apareceram… não eram amadores pelas pessoas envolvidas, mas eram muito emergentes. Aliás, eu lembro-me perfeitamente desse concerto e tu podes pensar “Ok, é o Fred, o Chico, o Sam…” mas nesse primeiro concerto eles não disseram quem eram e nós também não anunciámos quem compunha a banda. Tínhamos a sala cheia no contexto do festival e houve essa surpresa. Ou seja, isto é possível com pessoas conhecidas ou não, desde que faça sentido no contexto na noite.

Voltando à questão da partilha do risco, quão importante é ter uma marca grande como a Heineken a apoiar-vos?

A Heineken está connosco há muito tempo e o papel das marcas no investimento privado é brutal. Acho que conseguimos ter uma comunicação interessante para todos: para nós que não somos invadidos por uma marca, ainda que ela esteja presente, e para a marca que se associa a um produto de qualidade. Quem fica a ganhar é o público que consegue ter melhores espectáculos, porque nós ficamos com maior capacidade financeira e, por isso, o papel das marcas é essencial.

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Mas não se prende só com marcas não é? O Musicbox também tem parcerias com editoras e promotoras como a Amplificasom ou o Tradiio. Como é que se estabelecem essas permutas? É fácil?

Acontece naturalmente, mesmo muito naturalmente. A Amplificasom, do Tradiio, da Offbeatz, da Mesa de Mistura, enfim, eu acho que nós já colaborámos com toda a gente com quem dá para colaborar no mercado e também acreditamos que sem colaboração é impossível estarmos neste negócio, não dá mesmo. Voltando à questão do risco partilhado, também é importante fazê-lo com as editoras, com os promotores, os PRs e com as distribuidoras, dessa forma ganhamos todos. E é fácil porque quando tu propões alguma coisa a alguém é porque acreditas muito nisso, também tem muito a ver com a energia. Se a pessoa que está do outro lado acreditar, é como namorar. (risos) Só que nós, felizmente, temos muitos namorados e namoradas! Toma, Cavaco! (mais risos).

O Musicbox também é das salas que mais fortemente aposta no audiovisual durante as actuações. Como é que decorre o processo criativo para os concertos?

É muito simples, nós temos o nosso “VJ” e o nosso “Light Engineer” in house, são pessoas que estão muito atentas à programação. Antes dos concertos ouvem a música dos artistas, e não é em meia hora, ouvem os discos todos, o que acaba por ser um problema porque não têm mais vida senão ouvir música e fazer vídeos e “loops” (risos). Mas sim, é uma preocupação, num espaço como o Musicbox faz todo o sentido teres estas componentes activas, até porque a sala é comprida e o palco não é muito alto, se houver alguém mais pequenino lá atrás não vê o concerto e por isso faz todo o sentido que seja projectado. Já que estamos a projectá-lo, que seja uma coisa dinâmica, criativa e activa, que seja um “statement” de quem está a fazer o vídeo mas que esteja em concordância com as bandas. O Musicbox também é muito isso, não apenas uma sala de espectáculos, mas também uma sala performativa, que vive maioritariamente da música mas que também tem outras acções. No ano passado, tivemos uma série de espectáculos de dança e performance, nomeadamente com a Mariana Tengner Barros, com o Paulo Arraiano, tivemos exposições do Mais Menos, do Pedro Matos… temos agora uma galeria dinâmica que vai mudar a cada três meses, temos ali uma instalação [aponta para o tecto]. As coisas são muito activas e muito dinâmicas, isto é um pequeno bairro e nós que passamos muito tempo no Musicbox, com poucas horas de luz solar e muitas de luz falsa, tendemos a olhar para a sala como o nosso bairro. O vídeo e todas as outras componentes que são inerentes à produção do espectáculo são cuidadosamente pensadas.

Que balanço fazes destes dez anos de Musicbox?

Só pode ser extremamente positivo, porque cá estamos, passados dez anos, e sentimo-nos hoje com mais força e relevância do que no início. O desafio agora é pensar no futuro e continuar a tentar sermos criativos ao máximo para que isto nos estimule, que seja algo que nós consigamos oferecer à cidade. Esta questão é mesmo muito importante, porque nós não fazemos isto com uma perspectiva mercenária, “bora lá entrar na cultura e ganhar dinheiro” Eu acho que se tu falares com pessoas de outras salas do país e até mesmo de festivais, a malta vai-te dizer que o dinheiro não está na cultura, portanto é mesmo uma questão de nos sentirmos importantes e relevantes para a cidade. Enquanto isso continuar a acontecer, vamos para a frente

A pergunta sempre difícil: algum concerto ou memória especial que guardes com mais apreço?

Epá, é fodido. Sei lá, nas entrevistas que tenho dado fazem-me sempre essa pergunta, e mesmo sem ser no âmbito dos dez anos. Sabes que é daquelas merdas que um gajo acha sempre que está pronto para responder e tem trinta nomes, mas tu depois vais citar um nome e esqueces-te de outro concerto do qual só te lembras mais tarde. Portanto, eu tenho dezenas de memórias e dezenas de não-memórias, que são daquelas vezes em que as noites foram tão, mas tão fixes, que tu ficaste até ao fim, ficaste todo bêbado e no final, no dia seguinte, por vezes não te lembras do que aconteceu durante a noite. As não-memórias são tão importantes como as memórias, portanto não te consigo apontar nenhum momento em particular… Sei lá, indo lá atrás, se pensarmos que o primeiro concerto no Musicbox foi com o Questlove, é fixe! É um momento interessante…

…foi começar com o pé direito.

Sim! Pensar que conseguimos Future Islands no momento certo dá-nos um gozo particular, mas isto não são coisas que tenham necessariamente a ver com o palco, envolve também toda a estrutura e mecânica da coisa. Os primeiros concertos dos The Correspondents, que voltam agora, foram sempre incríveis, das melhores performances que já vi ao vivo. Whomadewho igual, We Have Band igual. Mais recentemente tivemos coisas mais extremas como o The Haxen Cloak, que foi das coisas que mais me arrepiou. Mas pronto, eu estou a citar alguns nomes mas estou já a pensar noutros, sei lá, Forest Swords, William Basinski…

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A ideia que fica é que te sentes sempre desonesto quando mencionas uns e não outros.

É mega desonesto! Não sei se tanto para os outros, eles não sabem se gostei muito ou pouco! (risos) É muito desonesto para comigo, vou para casa com um problema na consciência, a bater mal e a pensar “Porra, não falei nos Orelha Negra! Ou da temporada de Paus. Ou do dia em que os You Can’t Win Charlie Brown, sem luz, deram aqui um concerto acústico brutal!” Há mesmo muitas memórias…

Para rematar de forma politicamente correcta, foi uma viagem com altos e baixos mas compensadora.

Sim, com mais altos do que baixos. Hoje em dia estamos todos mais gordos, mais tolerantes ao álcool, com menos horas de sono, mas, sem dúvida, muito mais felizes!

10 anos 10 datas de concertos, as seguintes datas fazem parte da festa X Aniversário Musicbox Lisboa:
– Dia 30 Janeiro – Lavoisier + Jay-Jay Johanson + The Correspondents + Mike Stelar
– Dia 27 Fevereiro – Felipe Felizardo + Stephen O’Malley + Process of Guilt
– Dia 30 Março – Ricardo Martins + A Place to Bury Strangers + The KVB

Mais informação em http://www.musicboxlisboa.com/ | https://www.facebook.com/MUSICBOXLISBON/

Entrevista – António Moura dos Santos