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Girl Band, sonoridade epilética com experimentalismo bipolar

Por vezes associamos as tardes de domingo a um sentimento de estranheza onde a moleza e o confronto desgostoso entre aceitar ou não o dia que vem a seguir se apoderam da alma.

No entanto, há domingos que podem ser enriquecidos pelo sentimento de satisfação e completude auditiva, ainda que sejam domingos cinzentos.

Aconteceu no passado dia 11 de Outubro em pleno coração do Bairro Alto, numa sala propícia a momentos bem passados, a Galeria Zé dos Bois.

Já com traços de fim de tarde, pouco passava das 18h30 quando os portugueses Cave Story nos encaram de frente para mostrar que 3 pessoas são suficientes para servir um aperitivo explosivo e empolgante.

Não fossem eles da “caverna”, o rock não poderia ser mais cru. Com um misto de elementos que vão desde o post punk, ao indie rock e até ao garage, os Cave Story caracterizam-se essencialmente pela originalidade e qualidade de construção musical.

A voz possante e confiante que tanto canta como fala, acompanhada de uma bateria galopante cheia de ritmo, força e garra e de um baixo corajoso qual Paul MacCartney foi o suficiente para o público ficar rendido.

Aos meninos das Caldas da Rainha notam-se claras influências de Strokes e Parquet Courts, transformando cada acorde em ondas magnéticas de divagação e perdição.

Não podendo faltar o single de estreia “Richman”, tema dedicado a Jonathan Richman, entre as 9 músicas tocadas, ouvimos ainda 3 faixas novas: “Prime Time”, “ Foreign Faith” e “NNNN”.

Em cerca de 40 minutos construiu-se uma verdadeira ponte auditiva. A verdade é que ninguém ficou na margem de cá e pelo caminho para a margem de lá todos saborearam a paisagem coberta de coerência e identidade.

Na margem de lá esperavam-nos o Irlandeses Girl Band. Para quem não conhece, do nome surge o engano e do ar angelical também. A banda é composta por 4 meninos que, dentro da sua timidez, conseguem surpreender ao criar uma complexidade sonora carregada de ruído e distorções.

Pouco se esperava o que acontecia. Assistia-se à manifestação clara de caos e raiva revestida de uma voz grave e arrastada que berrava palavras à medida que ia sendo acompanhada por loops, distorções, ruído e uma bateria simples, mas sem deixar de acompanhar a densidade que acontecia diante de si.

Tal como não se esperava o que estava a acontecer em cima do palco, também não se esperava o que acontecia fora dele. O público encontrava-se estranhamente quieto, passivamente receptivo e pouco demonstrativo de qualquer tipo de entusiasmo com a revolta auditiva que se sentia a sair das colunas.

Ao longo do concerto, fomos assistindo a picos de adrenalina qual montanha russa onde eramos guiados a um certo estado físico e mental para em segundos tudo se desfazer em fragmentos. O experimentalismo tem destas coisas, destas e de cordas partidas na terceira música – “The Last Riddler” – , faixa extraída do álbum lançado no mês passado.

Do novo álbum ouvimos ainda “Paul”, “In Plastic” e “Fucking Butter”, entre outras. A viagem ao passado fez-se com “Lawman” e “The Cha Cha Cha”.

Durante 1 hora assistiu-se a algo demasiado próprio e inesperado. Tanto soaram ecos de hard rock, como sintetizadores com ritmo electrónico, acordes sinistramente arrastados, faixas de segundos onde se ouviam apenas gritos, rock de garagem, post punk, noise, tudo acompanhado por explosões corporais e suor.

Pela primeira vez em Lisboa, os irlandeses não conseguiram criar empatia com o público. Que, na sua maioria, ficou inerte, desviando-se apenas do caos e dos riffs em forma de tiros que seriam disparados ao longo do concerto. Se calhar, o sentimento de domingo vem de nós próprios e não apenas da palavra “domingo”. A mim, afectou-me a imensidão de sons inesperados que presenciei naquela tarde, saindo da ZDB com um enorme sorriso a romper a cara de domingo.

Texto – Eliana Berto
Fotografia – Nuno Martins (Galeria Zé dois Bois)