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Turnstile: Proibido parar

No passado domingo, Lisboa despertou veranil, convidando seus habitantes a abandonarem-na rumo àquela que é armadilha sempre ao virar da esquina, a praia de fim-de-semana. Contudo, alguns escolheram passar tão idílica tarde dentro de quatro paredes de betão ausentes de luz natural para receber efusivamente uma das mais interessantes propostas do Hardcore na actualidade. Data única na Península Ibérica, muito por esforço da organização, os Turnstile fizeram a sua estreia numa “matiné à antiga” na República da Música, que se prestou a recebê-los da melhor forma: em caos absoluto.

Antes do derradeiro bailarico, o aquecimento. Os Shape deram início às hostilidades e, mesmo vindos de um concerto em tributo ao eterno João Ribas na mesma sala no dia anterior, não acusaram o cansaço. Aliás, a ocasião por homenagem ao falecido músico, membro de bandas basilares para o punk português como Censurados e Tara Perdida, pareceu ser um tónico para uma performance ainda mais aguerrida que teve como um dos pontos altos uma versão de Agora Eu. Com o seu Hardcore de pendor melódico, a banda lisboeta proporcionou as primeiras movimentações da noite com malhas como WYLD, Vampires ou Lost and Dead, aproveitando ainda para estrear canções de Crossing Signs, álbum que já vem sendo trabalhado e esperado há algum tempo. Nota ainda para o incansável carácter de João Quadros, tanto nas suas comunicações com a audiência quanto na sua entrega vocal rasgada.

[Fotos de Shape]

A matar saudades de Lisboa, os Clean Break seguiram-se e mantiveram a mesma tónica de build-up, apesar de não terem apresentado a mesma contundência que o conjunto anterior. Tal deveu-se ao som (mais calmo, não tão pujante quanto em Shape), mas principalmente a uma certa incapacidade da banda e agarrar o público. Os farenses (a mandar o rep ao Sporting Clube Farense com uma bandeira do clube num dos amplificadores) mantiveram um set morno baseado em temas do EP Face Value (como Long Way To Go ou Seize the Day) até à ebulição destrutiva que foi Don’t Tread On Me, clássico absoluto crossover dos nova-iorquinos Cro-Mags. Com os ânimos mais exaltados, foi tempo de terminar com Cut and Run uma performance que, não sendo capaz de subir a fasquia, não comprometeu o ímpeto que se foi gerando.

[Fotos de Clean Break]

É, de facto, vertiginoso o percurso dos Turnstile. Formado há 5 anos, o conjunto de Baltimore tomou o mundo do Punk Hardcore de assalto com uma sonoridade veneradora dos clássicos mas simultaneamente refrescante na sua busca de influências junto a géneros tão distintos como o Surf Rock ou o Grunge. Ao contrário das bandas de abertura, os Turnstile já tinham o público na mão e a intro instrumental de 7 seguida por Keep it Movin provocaram de imediato o tumulto no República da Música. No final do set de Clean Break, o vocalista David pediu para que se aumentasse o movimento junto ao palco quando fosse o concerto de Turnstile. O seu pedido não foi em vão, tal foi o assomo de mergulhos do palco, hardcore dancing e mosh que se seguiu, impressionando mesmo os mais experienciados habitués destas lides e causando alguns feridos (nota: foram exemplarmente acudidos pela organização).

Divididos entre o material dos primeiros dois EPs que os catapultaram para este estado de graça e o seu mais recente álbum Nonstop Feelin, os Turnstile dispararam com Gravity, Canned Heat, Wrong Way ou The Dream, a manter o balanço bem groovy, fazendo um ligeiro desvio para o punk descontraído de Blue By You. O crescendo haveria de desembocar em Sallin On, uma cover de Bad Brains (“a melhor banda de sempre”), que levou o público ao delírio. Contudo, este não foi o único momento apoteótico, já que para o fim estaria reservada Death Grip, canção inspirada por uma qualquer jezebel que resolveu infernizar a vida dos Turnstile e cujas tiradas memoráveis e balanço pesado fecharam a tarde com chave de ouro.

E foi assim, em modo ceifeira-debulhadora, que os Turnstile chegaram Lisboa, sacrificando algumas das idiossincrasias do seu material gravado (como as vozes limpas) em prol de uma abordagem mais directa e próxima do público. O vocalista Brendan, por exemplo, dividiu as prestações vocais com o público (houve, literalmente, músicas onde só cantou meia dúzia de versos), resultando em momentos onde tantas eram as ganas de 4 ou 5 com um microfone à frente que acabava por não se ouvir nada. Contudo, atente o incauto leitor, essa partilha é justamente o que se pede num concerto de Hardcore: comunhão a braços com violenta fraternidade.

[Fotos de Turnstile]

Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Valentina Ernö (Silvana Delgado)