Backstage

Bruno Camilo, Vivam com Amor

Ouvi o CD “Turvo” de Bruno Camilo porque tinha que fazer os conteúdos de um vídeo promocional. Ouvi, gostei e fui pesquisar. Mergulhei no “Diluvio” e nas gaivotas da Caparica e adorei. Tentei encontrá-lo nalgumas lojas e não encontrei. Falei com o Bruno que gentilmente me enviou pelo correio, o “Turvo” não estava à venda no circuito comercial. Na manhã do dia 31 de Dezembro (se bem se lembram em Lisboa estava bastante solarenga), o “Turvo” entra na minha casa com um “Vivam com amor!” na capa.

Almada, 2015. No “lado certo do rio”, onde Lisboa é inteira de luz e os cacilheiros atracam cheios de estórias e de vidas. Estamos no Ginjal Terrasse em Cacilhas, na continuação do Tejo. É sexta-feira 13, o rio está tranquilo apesar do vento frio que passa na janela entreaberta que está à nossa frente.

O chá e o café são boas opções para o final de tarde, e para um início de conversa. Começámos pelo Popular Alvalade (onde foi o seu último concerto), Samuel Palitos e a mística deste bairro que marcou o punk-rock dos anos 80. Braindead, Da Weasel, Lovedstone os mesmos anos 80/90 que marcaram o rock da margem sul. Almada como a cidade suburbana com qualidade cultural, com criatividade musical, e atualmente, já num registo fora da revolta do proletariado da Lisnave. Uma das provas deste afastamento é precisamente não haverem muitas bandas deste gênero musical, “gostava que houvessem mais bandas de hip-hop na cidade”, diz Bruno Camilo. O que de facto no mínimo é estranho.

Música em DX (MDX) – Dizem que não há “amor como o primeiro” (tenha isso o significado que tiver [risos]). Continuas a cismar com “A Cisma”?

Bruno Camilo (B.C.) – “A Cisma” foi o primeiro projeto de Bruno Camilo, qual representação da “UNICEF” (diversidade da tez de pele dos músicos), e foi para ele muito mais que um projeto. “A Cisma” num registo musical muito diferente de Bruno Camilo a solo, foi a estória de 4 amigos que para além da música partilhavam as suas vivências. Razão pela qual quando o baixista voltou para Cabo Verde, “A Cisma” não fazia mais sentido continuar. “Eu tinha muita vontade de fazer um disco meu, sem nome artístico apenas o Bruno Camilo”. As letras fluíram e a música surgia nos momentos certos, encaixando na perfeição nas pausas da guitarra e do piano. A composição foi quase de golpe, no sentido em que todas músicas seguiam uma sequência lógica de um conto, de fadas negras (porque também as há!).

MDX – É curioso, porque quando temos uma banda, quando temos uma empresa, uma entidade por detrás de nós tudo se torna mais seguro. Não somos “nós” enquanto indivíduos isolados, não estamos expostos. Isso não te assustou?

B.C. – Não, nada disso, era exatamente isso que eu queria. Fazer um disco onde pudesse expor tudo o que sentia, de uma forma muito crua e genuína. Sem grandes acordes de guitarra, sem grande tratamento de voz. E foi isso que aconteceu, quando fui para o estúdio gravei exactamente o que tinha trabalhado, sem arranjos de produção.

MDX – “Prece esquecida” que é baseada numa estória verdadeira, de uma viúva que perdeu o marido que se suicidou. A dor como mote de todas as canções. O “Turvo” é uma espécie de exorcismo?

B.C. – Não, não é. Porque o exorcismo é arrancar algo de mau que está dentro de nós, é eliminar o que de menos bom existe em nós. E o mau é para ficar, tal como o bom e ambos fazem-nos inteiros. A dor é o belo, o lado mais negro do sofrimento é bonito. E é curioso porque quando compus o “Turvo” estava numa fase muito tranquila da minha vida (sorri), foi o arrumar a casa. O “Turvo” foi composto do princípio ao fim, numa sequência lógica. Eu sabia exactamente qual a ordem onde iriam aparecer as músicas. Compor um CD é compor uma história encadeada de sentimentos.

MDX – As letras estão no CD escritas com um tipo de letra igual ao da máquina de escrever. Como se o barulho de cada letra fique gravado na nossa memória…

B.C. – É isso mesmo (risos)! Aliás todo o grafismo do CD (foi o meu primo que é um excelente designer) é precisamente a rasura da máquina de escrever. O risco que está em cima do nome do álbum está rasurado e não apagado, o mesmo acontece com o risco que está na minha cara. O “Turvo” está riscado, porque a máquina de escrever rasura. Como disse um escritor que eu adoro, o António Lobo Antunes, “Percebi que não se pode ter medo de ter medo”.

MDX – “E que no fim em frente ao espelho, não esteja quem eu nunca vi.” (Prefácio a um Deus Menor) “Se ela te perguntar, diz-lhe que fui viver longe para lá dos outros” (Se a vires passar). “A podar as vinhas da minha ultima tristeza” (Só guardo o que já perdi). O “Turvo” foi a tua última tristeza?

B.C. – Eu diria que não é virar a página, porque o livro é o mesmo (risos). Mas é, este é diferente, tenho vários músicos a tocar comigo, para além do João Nunes (que já era um dos músicos de “A Cisma”), tem um registo um pouco mais diversificado e mais feliz se quiseres. E o curioso é que quando compus o “Turvo” estava numa fase tranquila da minha vida, quando compus este último CD estava numa fase muito mais angustiada, mais sofrida.

MDX – Tiveste formação musical (instrumentos e voz)?

B.C. – Não, nunca tive. Aprendi a tocar guitarra sozinho, e um dia quando ia comprar uma nova guitarra sentei-me ao piano e comecei a tocar. Rendi-me completamente, e trouxe o piano em vez da guitarra (risos). Sabes, uma boa voz não tem que ser uma voz afinada, com os graves e os agudos bem colocados. Aliás, todos esses programas de televisão que tentam encontrar as grandes vozes, estão errados, as vozes têm que ser o que são sem terem que ser “esticadas” ao máximo.

MDX – A relação entre o músico e cada instrumento que toca é diferente. E entre a guitarra e o piano essa diferença ainda é maior…

B.C. – Com a guitarra podes fazer o que quiseres, podes abraçá-la, podes trata-la como uma amiga intima (risos)! Se a nota sai ao lado, até pode ser fixe, não se nota. Com o piano não, o piano educa, disciplina-te.
Mas o próximo disco está muito bom, o contrabaixo e a bateria introduzem um novo som e tudo é harmonioso.

Bruno Camilo continua a tocar o “Turvo” ao vivo, com o seu piano, e sua guitarra e a guitarra do João. Enquanto não conhecemos o próximo CD, vamos estar atentos à sua agenda de concertos, o próximo é no dia 10 de Abril, aqui no Gingal Terrasse em Cailhas. E “Vivam com Amor!”

Bruno Camilo – “Dilúvio”

 

Mais informação:
Facebook – https://www.facebook.com/brunocamilomusic
Bandcamp – http://brunocamilo.bandcamp.com/
Album “Turvo” – http://goo.gl/XXNg09
Soundcloud – https://soundcloud.com/brunocamilomusic
Youtube – https://www.youtube.com/brunocamilomusic

 

Texto – Carla Sancho