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Noite de Exorcismo com Paul Jacobs na ZDB

De momento Québec regista catorze graus negativos nos termómetros. Curioso como no centro de uma cidade tão congelante, exista alguém que aumente as temperaturas de forma tão extremas e fervorosas; esse alguém, dá por Paul Jacobs.

De sonoridade extrema, ou não fosse essa o resultado entre garage rock e rock psicadélico, Paul Jacobs pediu exílio à Galeria Zé dos Bois para que o acolhessem do frio canadiano, dando como moeda de troca um concerto onde se viveria o clima oposto do seu lar. O resultado desta toca mais do que justa foi, como seria expectável, lucrativo para ambas as partes, mas claro que foi o público da casa que mais saiu a ganhar.

Porém, antes de o negócio ficar fechado, ouviu-se sonoridades também longínquas de Lisboa: Fugly, o trio nortenho que passa a quarteto em palco.

Encarregues da abertura de portas, os Fugly não se fizeram de cerimónias e começaram logo de início a soltar estouros seguidos de mais estouros, com as cordas partidas de Nuno Loureiro a serem prova disso. Quando se guia um garage rock em que o punk está bem presente nos assentos, não há tempo nem vagar para abrandar o dito, e disso os Fugly sabiam-no bem, com o ritmo fulminante a manter-se durante toda a noite.

Repletos de energia contagiante e bem dispostos como sempre, como a floss dance de Pedro Feio a meios de temas, Millenial Shift voltou-se a ouvir pelas salas de Lisboa, com destaque para temas como “Hit a Wall”, “Ciao (You’re Dead)” e “Take You Home Tonight”, louvando-se a forma como um grupo de jovens que não o viveu o punk consegue fazer-lhe jus.

Meia hora passada, e já com a sala um pouco mais preenchida, e Paul Jacobs sobe então finalmente ao palco. Em tronco nu, que é como quem diz que os dez graus lisboetas não passam de uma brisa do Quebeque, diz olá ao público e começa logo com “Holy Holy” a rasgar.

Para quem o acompanha, sabe que o músico canadiano lançou-se enquanto one-man band, fazendo tudo sozinho. Recentemente, recrutou uma banda para os seus espectáculos ao vivo e é logo com surpresa que se vê a quantidade de músicos instalados em palcos: entre teclados, guitarras e baixos, são sete cabeças que dão o corpo ao manifesto por de trás dos seus instrumentos.

Enquanto a trupe de Jacobs dá ainda mais ao universo idealizado pelo próprio no seu mais recente Easy, a estrela da noite rebola e debruça-se pelo palco, como se os demónios residentes naquele corpo frágil estivessem a ser exorcizados. Ao situarmo-nos na história de vida do artista, torna-se evidente que Paul encontrou na música um caminho para a salvação, porém não tem medo de dar de caras com as tormentas de outrora através das suas canções.

20181116 - Concerto - Paul Jacobs + Fugly @ Galeria Zé dos Bois

Quem sabe se na tentativa de se fazer ouvir perante estes episódios do passado, a bagagem emocional do Paul Jacobs, quando aberta em palco, tem tanto de intensa como ruidosa, alienando a barafunda do garage aos percursos aventureiros do psicadélico, tão bem exemplificados em “Expensive” e “Warm Weather”. Aliás, de forma a entrar no clima de cada canção, fosse caos ou introspeção, Jacobs alterava a sua persona por completo, soltando e domando os seus demónios interinos no processo.

O foco da noite foi claramente de Easy, o mais recente disco do músico, o material passado teve também esse direito a ser revisto, salientando-se a dinâmica que a banda de Jacobs dava a temas passados como “Born in a Zoo” e “Human Emotion”. Porém, por maior que fosse a qualidade dos músicos, era praticamente impossível não se ser ofuscado pelo animal de palco em que Paul Jacobs se torna.

Apesar que a distorção do seu microfone tenha dificultado a tarefa de ouvir as suas preces, a verdade é que as palavras de Jacobs eram destinadas, quase na sua integridade, aos demónios do passado que, na sauna em que se tornou a Galeria Zé dos Bóis, cessaram de existir. Certamente, um dos nomes mais empolgantes do atual panorama musical canadiano.

Promotor – Galeria Zé dos Bois