Backstage

Entrevista a Moullinex: “O que é a Música Portuguesa? Música que é feita por portugueses ou música que é feita em Portugal?”

No cartão de cidadão, assina como Luís Clara Gomes, mas é sob o pseudónimo de Moullinex que ganhou a merecida fama. Contudo, Luís é pessoa modesta ao ponto de dizer que a fama é algo que não o assiste; Moullinex só quer ser sinónimo de felicidade e alegrar o dia de quem o ouve. E assim tem sido ao longo de uma década, onde ‘dançar’ e ‘sorrir’ andam de mão dada pela sonoridade do artista oriundo de Viseu.

Quem conhece Moullinex, sabe do que estamos para aqui a falar. Há uma felicidade contagiante pelas dezenas de temas assinadas pelo Luís, oscilando entre o alinhamento de chakras ou o despertar de uma sede contagiante em ‘fazer a festa’. Até aos dias de hoje, Flora, Elsewhere e Hypersex são as três refeições no menu de Luís Clara Gomes, embora a cozinha do música também se estenda a pastelaria, ou não tivesse Moullinex começado a dar os seus primeiros passos no mundo da música quando ainda era (só) DJ – que atire a primeira pedra quem nunca vibrou ao som de um DJ set de Moullinex.

Voltando a pegar na carta de Moullinex, Hypersex, lançado o ano passado, é o mais recente prato principal de Luís. Um ano depois da apresentação do disco no Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT), o mesmo voltará a ser apresentado na íntegra, desta feita no Capitólio, a 31 de Outubro. Debaixo da alçada de House of Hypersex, a noite de Halloween contará com concertos, DJ sets e um Ballroom, uma espécie de concurso de dança com diferentes temáticas no seu decorrer.

Para saber melhor como se dará este House of Hypersex, a Música em DX teve a oportunidade de se sentar no estúdio de Luís Clara Gomes, aproveitando uma folga entre concertos em Nova Iorque e Paris, para saber mais sobre este aclamado disco, assim como quem é este herói que veste a capa de Moullinex.

Música em DX – Como é que se deu o teu passo de engenharia informática para o mundo da música?

Luís Clara Gomes – Não foi um passo, foram muitos; foi fade out e fade in. Tudo se passou quando eu estava a tirar o meu doutoramento, quando vivia na Alemanha; já fazia música, mas foi nessa altura que comecei a colocar coisas online e a dar-lhes particular atenção. A partir daí, comecei a receber convites para fazer DJsets por tanto por lá como em Lisboa, quando voltava. Depois, quando regressei definitivamente para Portugal, há sete anos, comecei a largar o trabalho de investigação e a focar-me só em música. Nada disto foi planeado, porque eu sempre fui educado sob a conduta de que “a música é para o teu tempo livre, foca-te numa carreira”, mas agora consigo fazer da música uma carreira, e isso é um privilégio.

MDX – O teu gosto especial pela música foi herdado pelo teu pai, não foi?

LCG – O meu pai é músico, sim, e sempre fez música cénica. Ele tinha um estúdio em casa, mas era um pouco o seu Santo Graal, o ‘fruto proibido’. Todavia, o meu gene de engenheiro fazia com que eu tivesse o desejo de montar e desmontar muita coisa, e sempre que conseguia, ia lá brincar um pouco com os samples e os teclados, e foi assim que nasceu o bichinho de fazer música com computadores.

MDX – Nesses anos de descobertas, sente que houve uma necessidade em ouvires outros artistas para moldares a tua própria sonoridade ou esta foi aparecendo naturalmente?

LCG – O processo de ouvir música e o de fazer música contaminam-se, mas cada um fica no seu lugar. Quando eu comecei a fazer música eletrónica, eu ouvia muito pouca música desse estilo; o que eu tentava conseguir era que o que eu fizesse soasse a uma banda, mas não tinha capacidades para tal, daí talvez ter chegado a um som que eu considerava que era o mais próximo disso, mas com eletrónica. À medida que fui aprendendo a tocar outros instrumentos, fui atingindo um som mais orgânico, mas sempre quis que soasse a uma banda.

MDX – Dentro da tua sonoridade, há vestígios de outros estilos que nela se encontram envolvidos, como é o caso do funk. Será que a inserção destes registos, na tua sonoridade, se deve ao teu desejo de funcionarem como um cartão-de-visita para música de Moullinex?

LCG – Não o faço com esse intuito, mas posso-te dizer que sou muito honesto na música que faço; não faço música com a estratégia do “há algo que está na moda e eu tenho que ir de arrasto”. Gosto mesmo das coisas que meto na música que faço, e isso acaba por transmitir a minha personalidade, esse ‘cartão-de-visita’. Eu estou contente com o resultado de todos os meus discos, porque era aquilo que eu queria fazer em cada um deles, e nenhum deles foi fruto de se estar alinhado com uma estética do momento, que “está a bater”. Acho que quem cede a essa linha, a de agradar aos outros, acaba um pouco por ficar sem personalidade e deixa de ser honesto, genuíno.

MDX – Grande parte das tuas canções têm um tom festivo contagiante. Dito isto, como é que constróis o alinhamento dos teus concertos?

LCG – Para essa tarefa, ajuda-me muito o facto de eu ser DJ, e antes se quer de começar a ensaiar um alinhamento com a banda, eu monto-o como se fosse um DJ set, em que as passagens entre os temas tenham o mínimo de pausas possíveis. Há momentos nas canções que são suficientemente despidos para que o Igor (Ghetthoven) fale com o público, e eu gosto de transmitir a ideia que, se o público fechar os olhos, se sinta dentro de um DJ set; dá-me muita felicidade deixar os outros felizes, e eu gosto de partilhar essa felicidade.

MDX – Sentes-te mais confortável em atuar num DJ set ou em formato de banda?

LCG – Sinto-me confortável nos dois. Em DJ set, a personalidade é menos importante, ou seja, eu gosto de pensar, num DJ set, que quando mais baixa estiver a cabine e mais próxima estiver do público, melhor. Já em concertos, há um espectáculo que foi preparado e é mais direcional do palco para o público, enquanto um DJ set às vezes torna-se quase um diálogo. Recentemente, o que eu tenho andado a tentar fazer, em concertos, é tentar que seja menos unidirecional, isto é, torna-lo mais num diálogo, recorrendo-se então a brincadeiras como ir-se para o meio do público dançar.

MDX – Elsewhere desenvolveu-se ao longo de uma semana de retiro criativo. O que mudou relativamente ao mais recente Hypersex?

LCG – Por ter feito e composto quase tudo sozinho, tornou-se numa coisa muito pessoal, introspetiva, e o disco tem muito essa faceta, tanto em termos de letras e temas. Já o Hypersex é um disco muito ‘para fora’, ou seja, chamei imensa gente para o contaminar com participações – tanto há convidados cantores como instrumentistas – sendo essa a premissa de todo o disco. A nível de design e de identidade visual do disco, foi muito colaborativo: o Bráulio (Amado) quase que escolheu nomes para os temas baseando-se em ideias de ilustrações que tinha para os mesmos; casou-se, com o pessoal que realizou os vídeos, realizadores com coreógrafos e performers com artistas plásticos, etc. O próprio nome do disco é uma brincadeira com ‘hyperlink’, que é um sistema digital para ligar ideias, e o Hypersex é um sistema para ligar pessoas diferentes com o intuito de refletir sobre a ideia do club culture, um espaço criado por pessoas para celebrar a vida.

MDX – Nesse caso, a tua ideia inicial para o Hypersex foi se transformando com participação dos convidados e dos colaboradores, certo?

LCG – A ideia que eu tinha era a de montar uma casa onde viessem pessoas, e o que acontecesse nessa casa era algo que eu não sabia de antemão, mas o meu papel foi o de a montar e servir de ‘porteiro’, digamos assim.

MDX – Relativamente ao teu concerto de apresentação do Hypersex, este foi feito no MAAT. Foste um dos poucos artistas a lá dar um concerto, pelo menos fora das celebrações do aniversário do museu. Como tal, consideras este espaço apropriado para concertos? Sentiste algum peso acrescido por tocares numa sala não muito conotada para concertos?

LCG – Claro, mas esse era o objectivo, porque eu queria que fosse mais do que um concerto de apresentação, queria que fosse o culminar de todas estas colaborações, daí a existência de uma exposição, de DJ sets e de performers. Foi algo híbrido, pois não queríamos que fosse uma exposição estática, não queríamos levar o museu à discoteca nem levar uma sala de concertos ao MAAT, por isso é que a festa durou doze horas. Era preciso encontrar o melhor de dois mundos e o MAAT abriu-nos as portas para tal.

MDX – Continuando nesta conversa sobre colaborações, muitos são aqueles que sabem do teu importante papel na Discotexas mas não a história sobre como surgiu esse projecto. Poderias fazer um breve resumo sobre como tudo se passou?

LCG – Não foi uma coisa planeada. Fez o ano passado dez anos que se começou a fazer umas festas por Lisboa, organizadas por amigos que tinham em comum o gosto por passar música sem se levar tudo muito a sério. Quando começámos a passar música, a cultura de DJ era muito séria, densa e tensa, que afastava os putos das guitarras em fazerem música electrónica, e nós começámos a fazer música numa altura em que essas barreiras começaram a diluir-se e então criou-se assim um grupo de pessoas que tinham essas afinidades. A mesma ingenuidade que nos levou a criar festas foi a mesma que nos pôs a criar uma editora para fazermos as nossas próprias músicas e começar, também, a editar músicas de outros? Hoje em dia, a Discotexas é aquilo que é na altura, uma plataforma para concretizarmos os nossos e os delírios dos outros, não a vendo como um modelo de negócio nem como uma empresa.

MDX – Face a tua posição na Discotexas, até que ponto os teus conhecimentos musicais e a tua experiência enquanto músico se desenvolvem? Adquires novas ideias para implementares em novos discos?

LCG – Claro, assim como no trabalho de produção. Mais do que ser músico, aquilo que eu mais gosto de fazer é aprender, de ter desafios novos e superá-los, e a música é algo que nos permite fazer isso: há sempre música nova, há sempre coisas para nos contaminarem, há sempre algo para nos inspirar.

MDX – Nesse caso, tendo em conta esse teu gosto pela aprendizagem, deduzo que tenhas aprendido a gerir o teu tempo enquanto um dos cabecilhas da Discotexas, produtor e músico. Isto ao início foi complicado de conciliar?

LCG – É sempre muito complicado e acho que é preciso muita organização interna para conseguir fazer tudo isso. Não sei dizer se me dedicasse a apenas uma dessas coisas seria melhor a fazê-la do que sou actualmente, provavelmente até seria, mas é como digo: ser DJ ajuda-me muito, como a ser funcional, por exemplo.

MDX – Nestes últimos tempos, tens estado a tocar para além fronteiras, como em Nova Iorque e Paris. Lá fora, como é a recetividade perante Moullinex?

LCG – Sinceramente, só para aí há cinco anos para cá é que tratamos Portugal dedicadamente como um mercado; houve a distribuição de uma editora cá, etc. Se formos ver pelo Spotify, sempre fomos um nicho por todo o lado, com Portugal a ser o quarto país com mais plays, estando os Estado Unidos, México e Reino Unido à frente. No caso do Bruno (Xinobi), também não será muito diferente. Estes dados levaram a que tivéssemos de pensar numa perspetiva global. Apesar de gostarmos muito de tocar cá e sentirmos um carinho gigante pelo público português, também nos dedicamos fortemente para outros países, embora que essa dedicação seja sempre um pouco mais forte aqui em Portugal. Nesse aspeto, começámos a pensar mais de fora para dentro, do que de dentro para fora, até porque acho que precisávamos um pouco de validação externa antes de se ter validação interna.

MDX – Nesse caso, defendes a atual digitalização do mercado musical?

LCG – Eu defendo a digitalização porque, em teoria, enquanto ideia conceptual, a nossa carreira não seria possível sem ela, pelo menos a minha. Sendo um artista de nicho, não teria nem a estrutura nem as ferramentas para chegar a gente suficiente para fazer disto uma vida, um emprego, um meio de subsistência. Por isso, sim, defendo-a, porque qualquer pessoa com uma boa ideia, com sorte, muito trabalho e com conhecimento das coisas, consegue chegar às pessoas para ouvirem-no.

MDX – No espaço de um ano, fechaste palcos em dois dos maiores festivais em Portugal: o Vodafone Mexefest – atual Super Bock em Stock – e o NOS Primavera Sound. No Rock in Rio Lisboa, tocaste em horário nobre. Em todas estas três ocasiões, tocaste para plateias consideráveis de público, demonstrando que aposta no teu nome foi certeira. Achas que há um certo medo, isto a nível dos festivais, em apostar em artistas nacionais num horário mais ‘luxoso’?

LCG – Acho. Acho, com uma vírgula: há cada vez mais exceções à regra. Há uma confluência de público, promotores, imprensa, bandas e estruturas de produção em levar a música portuguesa ao colo, finalmente. Não digo que seja necessário fazer uma estratégia como a da Espanha, em que 80% da música que se ouve é espanhola, não, eu só queria que, nas palavras do Tiago Pereira, que “a música portuguesa gostasse dela própria”, e finalmente acho que isso está a acontecer: há festivais a acontecer que não precisam de ter aquela bandeira a proclamar que só têm música portuguesa. Pessoalmente, também gosto que haja aquela contaminação do que é que é a música portuguesa: música que é feita por portugueses, ou é música feita em Portugal? Gosto de pensar que sejam ambas. E gostava, também, que alguns promotores de eventos maiores apostassem nos artistas portugueses.

MDX – Aproxima-se a passos largos a noite de dia 31, onde irás apresentar o Hypersex no Capitólio, num espetáculo que se advinha como memorável. Como é que, num breve resumo, ‘venderias o teu peixe’? Convencerias o público a ir?

LCG – Este será o segundo concerto, em nome próprio, dedicado ao Hypersex aqui em Lisboa, com o primeiro a ter sido no MAAT. Na altura, o que nos propusemos a fazer no MAAT era impensável, aliás, nunca achei que tal fosse possível. Para este concerto, a parada é simples: pôr o MAAT para trás, ou seja, é para ser ainda mais festa. Quem já viu um concerto nosso, que venha, pois vai ser um concerto diferente, e quem ainda não viu, que venha também. Haverão DJ sets, dois concertos e, sendo Halloween, lançámos a ideia do ‘House of Hypersex’, onde haverá inclusive um Ballroom, uma herança de Nova Iorque dos anos 80 em que existe a ideia de ‘transformação’ e ‘concurso’: há um júri, há um desfile e as pessoas mostram a interpretação do tema, desde ‘Casa dos Segredos’ até ‘Vilões da Disney’. Todavia, queremos que seja uma coisa participativa, que esteja englobada num concerto em que o palco será de 360 graus.

Se estes argumentos (ainda) não foram suficientes para convencer os indecisos, relembramos que até dia 30, os bilhetes para o concerto de Moullinex estarão disponíveis ao preço promocional de 20€, aumentando para 25€ no próprio dia. Uma autêntica pechincha, ou não fossem os concertos de Moullinex verdadeiros espectáculos do início ao fim, como o próprio nos tem vindo a habituar ao longo de todos estes anos.