Concertos Reportagens

A realeza do rock’n’roll no campo pequeno

Existem eventos que só quando acontecem é que damos conta do quão necessários eram. E este concerto dos Royal Blood mostrou-se como um bálsamo para a alma, como aquele impulso elétrico extra para calibrar os corações que (sobre)vivem à base do rock. Sem dúvida que houve sangue fervilhante durante a hora e vinte que estiveram em palco, houve aclamações, entregas, círculos de mosh, quedas aparadas como só os amantes de rock’n’roll sabem fazer uns com os outros, mas houve, acima de tudo, um espírito libertador e explosivo.

À terceira foi de vez. Não pude ir aos dois primeiros concertos que a banda deu em Portugal, mas mal confirmaram o Campo Pequeno eu sabia que, nem que fosse preciso o impossível, os ia ver. E agora é suposto escrever sobre isso. Como é que se escreve sobre um estado de absoluta catarse em que, depois de muito, muito tempo, se vive finalmente o rock como ele merece? Não é fácil, mas vou tentar.

Para quem não souber muito sobre os Royal Blood, permitam-me a introdução: eles são Mike Kerr (baixista e vocalista) e Ben Thatcher (baterista), um duo britânico, de Brighton. Lançaram o seu primeiro EP, Out of the Black, e o primeiro disco, de título homónimo, em 2014, e este ano lançaram o segundo longa-duração, How did we get so dark?. Passaram pelo Coliseu de Lisboa em 2015, estiveram este ano no NOS Alive, e o que não lhes tem faltado são críticas estrondosamente positivas. A mim faltava-me essa experiência, essa constatação na primeira pessoa, e foi um abanão de todo o tamanho. Desde sempre que o rock tem servido para expressar toda uma panóplia de emoções, para marcar posições ou incitar revoluções – sejam elas interiores ou exteriores. Na simplicidade de falar sobre temas do coração – sim, as músicas são sobretudo sobre relações, e cada um tem os seus lugares escuros – os Royal Blood conseguem transformar o potencial dramático num catalisador de renascimento. Através de uma bateria pujante e de um baixo que parece multiplicar o número de cordas a cada instante, este duo consegue não só preencher cada milímetro dos locais onde toca, como também inflamar quem os ouve, incitando, quanto mais não seja, à rebelião interior.

Com a pontualidade tão característica dos britânicos, Mike Kerr e Ben Thatcher subiram ao palco às 21h em ponto. Na plateia já pouco espaço havia e as bancadas estavam muito bem compostas. Bastaram as primeiras batidas de “How Did We Get So Dark?”, tema homónimo do último disco, para a euforia tomar conta do recinto do Campo Pequeno. Em palco, o duo fazia-se acompanhar de duas back vocals, que foram completamente abafadas, não só pela imponente presença do baterista e do guitarrista, como pelo público, que não se fez de rogado a entoar cada tema como se fizesse parte dele. Seguiram-se os temas “Where Are You Now” e “Lights Out”, fazendo prever que o concerto pouco ou nada teria de monótono. Foi então altura de revisitar o primeiro disco, com “Come On Over” e “You Can Be So Cruel”, temas que claramente ganham uma nova energia ao vivo e que não deram descanso aos círculos cada vez maiores de mosh. Chegou o momento de uma breve interação com o público, em que Mike Kerr diz que Portugal é um dos melhores sítios para tocar e o público responde sonora e apaixonadamente. Reparem, na mesma cidade, à mesma hora, os enormes The National estavam a tocar no Coliseu dos Recreios. Não obstante, a banda conseguiu encher o Campo Pequeno, revelando assim que a sua base de fãs é sólida e fiel. Um feito, no mínimo, notável, dadas as circunstâncias. O concerto voltou a arrancar com a bomba “I Only Lie When I Love You”, continuando com “She’s Creeping”, “Little Monster” e “Hook, Line & Sinker”.

Faço aqui uma pausa para destacar a energia que os dois músicos conseguem transmitir. Num concerto sempre a abrir, com poucas pausas ou músicas mais calmas, existe espaço para manifestarem o companheirismo e reverência que partilham um com o outro. E isso faz-se sentir a cada tema. Sendo só dois, se não fosse assim, provavelmente haveria ali uma manifestação qualquer de vazio, coisa que nunca se sentiu.

Com o tema “Blood Hands” foi fácil lembrar o impacto que tiveram logo com o primeiro disco. “Don’t Tell”, a música que se seguiu, foi provavelmente a mais calma. Porém, a calma durou pouco. “Hole in You Heart” voltou a inflamar os ânimos, antes de revisitar mais temas do disco anterior: “Loose Change” e “Figure it Out”, que teve dos maiores coros do público. Para o encore escolheram “Ten Tonne Skeleton” e “Out of the Black”, outro potente single da banda, que marcou o fim do concerto.

À saída do recinto, os comentários eram todos de reverência, até de culto. Os Royal Blood têm o seu sangue bem entranhado no público português e a prova disso foi a noite colossal do passado Sábado. O rock está bem vivo, de boa saúde, apenas temos de saber onde o encontrar.

Antes de terminar, fica a nota para a banda de abertura, os Black Honey. Também são originários de Brighton e foi a sua estreia em Portugal. Estiveram trinta minutos em palco, cumpriram bem o seu papel, mas após o concerto arrebatador de Royal Blood, é pouco o que fica na memória desse concerto. Ingrato, talvez, mas fica a esperança que possam apresentar o seu indie/garage rock em nome próprio para que os possamos apreciar melhor, em vez de apenas estar na expectativa do concerto que lhes seguiria.

 

Texto – Sofia Teixeira | Blog BranMorrighan
Fotografia – Nuno Cruz
Promotor – Everything Is New