Backstage

Lucifer, o novo olhar de The Poppers – Entrevista a Luís Raimundo

Em Portugal o ano começa com grandes lançamentos. Ainda nem terminámos o primeiro mês deste nosso 2017 e já saíram álbuns carregados de talento, carisma e muito rock’n’roll.

Falo, no caso, de Lucifer, o terceiro álbum de The Poppers. Após um longo período de espera, esta acabou por ser compensada e o resultado foi algo limpo, transparente, sólido e com uma estrutura que assenta nos pilares grossos do rock’n’roll. Há fuzz, há pedais de distorção, há sensualidade e até uma dança conjunta feita de forma harmoniosa entre todos os instrumentos.

O resultado deste álbum é um conjunto de 9 canções e uma versão. As 10 faixas que o compõem conseguem construir uma atmosfera de sedução que nos suga de imediato, deixando-nos sem capacidade de resistir. Há histórias de amizade e de amor, de folia e de calmaria, há tristeza e alegria numa dualidade de complexa simplicidade. Pelo percurso do álbum, a estrada vai-nos mostrando diversas direcções e caminhos adaptando-se aos diferentes estados de espírito. Há uma comunhão entre os instrumentos que grita e nos chama a atenção para a alma depositada neles e em cada canção. Quase que conseguimos saborear cada nota e acorde individualmente entrando no compasso dos riffs, no galope da bateria e na coesão do baixo. A versão apresentada trata-se da carismática “Teenage Kicks” dos Undertones que, aqui, ganha uma nova cara, mais delicada mas não menos rock’n’roll.

O álbum foi produzido pelo Paulo Furtado (The Legendary Tigerman), misturado por Guilherme Gonçalves e masterizado por Nelson Carvalho. Conta com a participação de Filipe Costa (teclados), Paulo Furtado (baixo) e Ian Ottaway (texto e voz no tema Modern Wasteland).

O Música em DX aproveitou a altura e, na semana de lançamento de Lucifer, esteve à conversa com Luís Raimundo (Rai), mentor e frontman da banda para conhecer um pouco mais da essência deste sucessor de Up With Lust.

MDX – Há algum demónio que queiram expulsar? De onde vem Lucifer?

Rai – Ao contrário do que possa parecer, não há aqui nenhuma prece ao diabo nem ao demónio. Basicamente eu tinha alguns títulos guardados e quando estávamos na fase das misturas andava a ver qual era o título que ia escolher. Curiosamente, na mesma semana acontecem várias coisas: uma delas é que eu andava a ler um livro que me emprestaram de Lord Byron e ele fazia algumas analogias a Lúcifer propriamente dito e aquilo deve ter ficado no meu subconsciente porque eu tive um sonho recorrente nessa semana. O sonho situava-se em Lisboa e eu tinha um aliado que era o Lúcifer, um rapaz um pouco mais baixo que eu, loiro e com dois altos na cabeça, e defendíamos a nossa cidade! Corríamos pelas ruas de Lisboa e lutávamos contra uma espécie de Godzilla ou T-Rex que, por sua vez, era aliado do Cristo Rei e o Cristo Rei saía da zona onde estava e passava o Rio Tejo a pé para se juntar ao Godzilla. Depois, quando vamos para fazer a sessão de promoção do disco, o Kid Richards, que tinha sido a nossa contratação mais recente, tinha um casaco tipo polyester preto com a palavra Lucifer nas costas e ,nessa altura, pensei que não havia título que pudesse encaixar melhor. Tinha de ser Lucifer! Era demasiado óbvio para eu fingir que este título não estava a aparecer em várias circunstâncias na minha vida nos últimos tempos, portanto esqueci os títulos que tinha pensado para optar por este. Depois andei a pesquisar coisas sobre Lucifer e percebi que haviam muitas coisas dedicadas a ele que tinham a ver directamente com o rock, portanto era óbvio e ficou.

MDX – E na música “Peyote”, de quem são os olhos de Lúcifer?

Rai – “Lucifer eyes” já lá estava, já tínhamos gravado o disco, mas nem pensei na altura nisso. Era uma forma de expressar algo na cara de um amigo meu, o A Boy Name Sue porque a canção é dedicada a ele e por isso é que tem o refrão que tem e é dedicada a muitas noites que passámos juntos. É uma espécie de homenagem aquela pessoa de quem gosto e estimo muito.

MDX – Como foi a construção do álbum?

Rai – Foi tudo muito rápido. Nós tínhamos gravado o álbum em 2013 em Londres, o sucessor do Up With Lust, fizemos o crowdfunding, tínhamos dinheiro junto e fomos para lá super felizes por 4 amigos dos Olivais de longa data terem oportunidade de estar num estúdio com material incrível. Gravámos o disco em 4 dias e quando começámos a receber as misturas eu não gostei da forma como as canções me estavam a soar: sonicamente, a textura, estava tudo muito polido, não era nada daquilo que eu tinha pensado. Então optei por não editar aquele disco porque tinha noção que éramos capazes de fazer uma coisa que retractasse mais o som que se queria e não editar algo só porque já estava gravado e tinha sido gravado em Londres. Não é assim que eu abordo a arte ou a música ou aquilo que faço.
Isto para dizer que existiram algumas canções, três, nas quais nós pegámos como mote para este terceiro disco com uma abordagem completamente diferente, tudo é diferente, até as próprias letras foram alteradas. Este disco foi escrito muito rapidamente! No final de 2015 eu tive uma conversa com o Furtado para lhe perguntar se estava interessado em produzir o disco, ele disse que sim e a verdade é que num mês e meio o disco foi escrito. Ganhei um boost criativo, talvez por causa do entusiasmo de fechar uma coisa que tinha ficado por fazer. Começámos a ensaiar praticamente todos os dias, o Furtado ia quando podia pois estava a fazer uma tournée internacional e fez um esforço muito grande para estar presente sempre que vinha para Lisboa e, talvez, tenha existido um compromisso interior da minha parte em apresentar mais trabalho e mais coisas. Escolhemos as músicas que achámos que faziam um bom alinhamento para o disco e depois fomos para estúdio em Março/Abril gravar e depois fizemos as misturas mais tarde. É conveniente depois de gravares o disco que o deixes respirar um bocadinho para o sentido crítico voltar outra vez a estar apurado e alerta. Não foi feito com urgência, eu chegava a casa e às vezes ficava até de madrugada com a guitarra no sofá e um bloco de notas ao lado (mesmo tendo de me levantar cedo porque sentia que as coisas estavam a fluir bem e portanto mais valia fazer um esforço e deitar cá para fora) e depois levava as canções no ensaio a seguir.

MDX – O Paulo Furtado teve um papel fundamental?

Rai – O Furtado teve um papel preponderante na produção do disco e na abordagem. Foi dando a opinião dele, sempre foi uma pessoa muito cuidadosa, muito pragmática, assertiva, sóbria e há uma altura em que ele tem uma conversa de 4 ou 5 minutos comigo depois de um ensaio e que muda completamente a abordagem que nós temos, até aquela data, em relação aos instrumentos e às canções. Ele fez-me crer que a minha voz precisava da respiração das guitarras, que as guitarras tinham que falar uma com a outra e não discutirem uma com a outra, isso tornava o som muito denso. A verdade é que depois eu tive esta conversa com o resto da rapaziada nessa mesma noite e no dia seguinte, quando fomos para o estúdio, as coisas mudaram completamente! Por isso é que tens canções como a “Like Dust”, “In The Morning” ou a canção do Ian Ottaway, são super arejadas. Depois também tentámos explorar vários caminhos porque quando te dão uns trunfos tu pensas “em vez de fazer um disco assim, posso fazê-lo de outra maneira” e isso ajudou muito no processo. Naqueles 4 minutos ele disse tudo o que precisávamos de ouvir e foi bastante cuidadoso. Outra coisa que fez com que isto corresse muito bem foi a dedicação que eu vi do lado dele e o facto de ele acreditar tanto nas canções como o resto da banda. Nós gravamos o álbum live e quando era suposto termos um baixista de guitarra com pedais, ele de repente começa a gravar com um baixo de destro quando ele é canhoto! Para gravares canções que nunca praticaste com um baixo de destro quando és canhoto, é preciso fazer um esforço mental muito grande porque estás a inverter as escalas todas e tu veres isso enquanto estás a gravar e veres aquela pessoa a dedicar-se tanto como tu, ajuda muito. Foi maravilhoso.

Depois o Filipe aparece no estúdio também sem conhecer as canções, ainda assim, as músicas que grava, grava com o “feeling”, ele ouve a canção e depois de 2 ou 3 takes está perfeito. A mesma coisa com o Ian Ottaway: convidei-o para participar no disco, falámos algumas horas por computador sobre a temática do disco e tudo o resto e no dia seguinte ele manda-me o texto, que está maravilhoso, e no outro dia envia-me um take de voz gravado no Mac dele sem microfone expert e por isso ouvem-se lá umas imperfeições que, para mim, fazem parte do processo e até isso correu muito bem. Eu gostei tanto do texto que ele escreveu que o texto vai para a contra capa. E agora voltamos ao início da conversa que é: havia muita coisa que podia ter corrido mal no meio disto, mas não… fluiu todo bem… A cena do Tó Trips também foi outra coisa que foi super bem percebida, a foto do Kid Richards estava perfeita (eu há algum tempo que tenho uma imagem na cabeça dum livro que relata o IRA nos anos 70 e há uma imagem dum miúdo com um cocktail molotov, então aquela fotografia era perfeita), nós recriámo-la e até a própria foto ficou belíssima. Acho que as pessoas quiseram fazer parte do disco e não ser meros convidados e isso é muito importante.

MDX – És tu que escreves as letras?

Rai – Sim, as letras e a canções. Normalmente faço a composição em casa com a guitarra acústica ou eléctrica, faço um riff inicial, os acordes base, a estrutura, a ponte, o refrão, escrevo as letras e depois levo para a sala de ensaios e vemos juntos, entrego-lhes a eles também.

MDX – Que histórias escondem as letras?

Rai – Este disco é o disco em que eu me dispo completamente de tudo. Sabes quando estás a escrever uma coisa e pensas: será que me posso expor ou que me devo expor assim tanto? Eu neste disco não liguei nada a isso, portanto tens ali sentimentos de quem celebra a vida de quinta-feira até domingo e depois tens ali dias que acordas de manhã na segunda e estás completamente rebentado e as coisas não fazem sentido. Aquilo é a história, basicamente, do meu dia-a-dia ou do dia-a-dia moderno de quem é sedento pela vida e experiências e vive numa cidade com uma energia como esta e que tem amizades fortes. Há lá canções onde espelho a amizade, outras o amor, ressacas, aquelas coisa quase boémia e, curiosamente, quando escrevo as canções já sei qual é que é o tema que vou usar, ou seja, se faço uma canção com um riff mais rock ou blues ou mais pesado, aquilo transporta-me para um sentimento que eu depois vou querer expor na letra e depois acaba por não ser difícil, porque se é uma coisa mais melódica levo para outro sítio e depois a partir daí vou aprofundando.

MDX – Porquê “Teenage Kicks” dos Undertones?

Rai – Nós reservámos 4 ou 5 dias de estúdio e despachámos as canções mais rápido do que aquilo que era suposto e ficámos com um bocadinho de tempo de estúdio e foi nesse tempo extra que o Furtado se lembrou: “putos ‘bora fazer uma cover? Era fixe fazermos uma cover.” Na altura em que ele diz isso eu começo a pensar em todas as covers que queria fazer e se eu tivesse tempo para preparar aquilo durante um mês e meio, eu tinha chegado à cover perfeita que acabou por ser a cover perfeita. Eu estava super confuso, cheio de nomes na cabeça e o Furtado diz-me assim: “há uma canção que eu sempre quis gravar e ainda não o fiz até agora e vou dar-vos este trunfo, porque é que não gravamos a “Teenage Kicks”?” e foi assim. Se vais fazer uma versão, então que não tenha nada a ver com o original, eu atinjo notas ali que não sabia que podia atingir. Portanto a ideia da cover veio do Furtado e foi ele que escolheu a canção. Não foi nada programado e depois até pensarmos que, quando lançássemos o vinil, colocar a canção como bonus track, mas gostámos tanto que metemo-la logo aqui.

MDX – Como chegaram à Blitz Records?

Rai – Foi o nosso manager, o Pedro Flama, que é outra pessoa fundamental neste nosso novo caminho, ele é muito entusiasta, cheio de ideias e muito trabalhador, e então ele andou a ver quais eram as melhores opções para nós e a Blitz Record era a que nos dava melhores condições, era o que nos fazia mais sentido. Tens também a Discos Tigre associada que é a label do Furtado, sendo que somos a primeira banda de fora a lançar um disco pela editora dele. Então acabamos por ter estas duas labels, a Blitz Records e a Discos Tigre, associadas ao disco com a distribuição da Sony. Mira Mira Mira também tem feito um trabalho incrível, é a nossa agência, que é composta pelo Flama, pela Sara e o Quesadilla e acho que não podíamos estar mais bem rodeados.

MDX – O que é que mudou nestes 6 anos?

Rai – Perdemos um membro da nossa banda e ganhámos um membro incrível chamado Kid Richards. É um miúdo super talentoso e que apareceu por acaso: ele queria fazer uma exposição com algumas pessoas da música em Portugal com polaroids e então ele foi ter comigo para tirar a foto e, na despedida, disse-me que já estava com saudades de tocar rock e eu disse-lhe que as coisas iam melhorar e que ia encontrar uma cena fixe. Depois estou a caminhar para casa (nessa altura já não tínhamos baixista e já tínhamos gravado o disco com o Furtado) e penso que ele toca guitarra e quem toca guitarra toca baixo e então agarrei no telefone e liguei-lhe e foi a pessoa perfeita, integrou-se logo muito bem.
Para além disso, eu aprendi muita coisa musicalmente porque fundei uma banda em paralelo, os Razors e aprendi muito com essa banda, por isso é que este disco de Poppers é um bocadinho mais transversal, porque tens canções super pesadas ou com fuzz e depois tens outras mais limpas, aquilo abriu muito o espectro para que este disco acontecesse desta forma. Também aprendi que a espinha dorsal da banda, para além da minha pessoa, são o resto dos membros, porque nestes 6 anos o facto de não querer editar o álbum de Londres, o facto de ter outra banda podia fazer com que eles se sentissem mais desmotivados e não foi isso que aconteceu.

MDX – O que podemos esperar do concerto de sábado?

Rai – Vai acontecer tudo o que tiver ao nosso alcance. Eu acho que num concerto de rock é importante, e eu tento sempre fazer isso, que exista uma ligação com o público. Poppers é daquelas bandas que respira muito pela energia do público, há ali um ciclo e tem de haver um ciclo. Nós no sábado vamos dar o melhor concerto que vamos conseguir, é assim que encaramos os concertos e os live acts, ensaiamos muito e temos o cuidado de fazer isso para estarmos confortáveis em palco. Acho que as pessoas têm de lá estar e se se ligarem com as canções aquilo vai fazer todo o sentido. Se faz sentido em disco, vai fazer sentido ao vivo e nós ainda vamos tocar 5 ou 6 canções de Lucifer, vamos ter os convidados: o Furtado, o Filipe e o Afonso e acho que as energias estão todas canalizadas para que seja uma boa noite de rock’n’roll. A seguir temos o Baile Tropicante com o Flama, o A Boy Named Sue e o Quesadilla, portanto vai ser uma noite quente e forte.

Lucifer será apresentado no próximo sábado no MusicBox no que promete ser uma festa cheia de rock’n’roll com convidados especiais como Paulo Furtado, Filipe Costa e Afonso Rodrigues. A viagem segue depois para o CAE, em Portalegre, no dia 03 de Fevereiro e para a Sociedade Harmonia Eborense, em Évora, no dia 04 de Fevereiro.

Entrevista – Eliana Berto