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Ir à boleia com os Ditch Days

Setembro caminha para o fim e há quem já tenha de colocar o édredon na cama porque o resfriado faz acordar a meio da noite. Voltaram as rotinas, o tempo que se achava eterno agora esvai-se irreversivelmente na comuta laboral, o cinzento começa a tomar o lugar do infinito azul. Contudo, um grupo de irredutíveis veraneantes, dando pelo nome de Ditch Days, propuseram-se resgatar-nos dessa depressiva realidade, levando-nos a visitar as paisagens sónicas de Liquid Spring e trazendo o Verão de volta por uma hora muito bem passada no Sabotage. Fazendo jus ao seu nome, largámos as preocupações e entregámo-nos à música.

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Os Ditch Days são arquitectos do escapismo e Liquid Springs – por si só um título que remete para um destino idílico – é a sua compilação de projectos sonhadores e jornadas por percorrer, a cidades australianas, a paisagens campestres sob o breu da noite, ou até mesmo ao passado, se preferirem. Sendo verdade que o Sabotage, escuro e apertado, não é propriamente condizente com esta demanda de nos colocar em realidades imaginárias, nem por isso a natureza da sala agiu em detrimento da atmosfera criada, até porque os Ditch Days se munem de projecções de filmes clássicos (desde Dazed & Confused até Annie Hall) para nos deixarem no comprimento de onda apropriado.

Mais importante do que a ambiência, o que os Ditch Days nos trouxeram nesta noite foram canções, temas que ficam na cabeça, que trauteamos a caminho de casa. Nestas coisas da dream pop, por vezes opta-se pela criação de sensações e estados de alma, negligenciando a composição, mas o quarteto nunca perde a noção de canção, revelando-se pródigo na arte de criar músicas simples mas nunca simplórias. Melodias memoráveis, saídas quer dos teclados de José Crespo quer da guitarra de Guilherme Correia, aliadas às linhas de baixo inventivas de Luís Medeiros, à propulsão rítmica de Rafael Traquino e ao trabalho conjunto de vozes encadeadas umas com as outras, fazem de canções como Zowee (com o seu cantarolar irresistível), Nostalgia (grande refrão), ou os singles Blue Chords e Melbourne (provavelmente os temas que melhor encapsulam a essência da banda) earworms irresistíveis.

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Acompanhados por um público não só composto por muitos fãs que vieram acompanhando a banda desde o começo, como também curiosos que queriam assistir à confirmação de uma banda a borbulhar na cena Indie nacional, os Ditch Days não se cansaram de ressalvar o agradecimento sentido por tanto calor humano despendido. A banda até podia ter-se ficado pela conclusão de Countryside Nightlife – provavelmente o seu melhor tema, construção impecável e final justamente intenso – para dar a noite por terminada, mas, a fim de recompensar os presentes pelo apoio prestado, os Ditch Days improvisaram um encore/reprise de Melbourne onde convidaram todos aqueles que quisessem a subir ao palco para dançar e cantar. O resultado foi previsivelmente caótico e algumas das participações arranharam os ouvidos, mas não poderia ter havido final mais condizente com uma noite de comunhão como esta.

Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Nuno Cruz