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“Mali Blues”, o berço do blues encontra-se aqui

Festival Sur Le Niger, Ségou Mali. Um palco em cima do mar com vista para uma praia cheia de gente, os músicos malinenses gritam: “La musique por la paix!”

Nasceu em Berlim, vive actualmente em Koln, o realizador Lutz Gregor tem um olhar holístico sobre a música como expressão da liberdade individual e essência da Humanidade.

Mali Blues é um filme – documentário de uma intensidade soberba. Sobre liberdade de expressão e a falta dela, sobre costumes ancestrais e as tenebrosas consequências, sobre partidas e regressos. Sobre o amor, pela música, por um país, por um povo.

Entre as medidas fundamentalistas exercidas pelos rebeldes tuaregues jihadistas, a proibição da música nas cidades a Norte sob o seu domínio, Kidal, Gao e Timbuktu, é das mais violentas. Músicos perseguidos pelos rebeldes fogem do deserto e procuram exilio nas cidades do Sul, o corte dos dedos aos guitarristas “é prometido em nome de Alah. A música traz o demónio e destrói o homem”. PA’s, colunas, guitarras e baterias são transformados em cinzas, “em nome de Alah e da salvação”.

Mali Blues é a essência da música no ADN da humanidade, o berço do blues. É as mulheres e homens que instrumentalizam as causas humanitárias através das músicas que compõem. É os músicos que desafiam o seu destino e poem as suas cabeças no cepo.

Três músicos cruzam-se no plateau de Lutz Gregor, um tuaregue de olhar distante toca guitarra elétrica em direção à linha do horizonte azul (Ahmed Ag Kaedi). Fatoumata Diawana uma compositora, cantora e guitarrista que saiu do Mali com pouco mais de 18 anos de idade, para viver a sua própria história e não aquela que estava pré-destinada a viver, imposta pela tradição. Fatoumata regressa ao Mali para o documentário e toca pela primeira vez no seu país no Festival Sur Le Niger. Master Soumi, rapper que se auto-denomina o advogado das ruas, transporta o islão no hip-pop e acredita que o Corão não condena a música tal como os rebeldes apregoam. O islamismo como fonte de união de todas as etnias, na transversalidade da música que se reinventa na tradição, acrescentando cordas e amplificadores ao nogni (instrumento tradicional do Mali composto por madeira côncava e 3 cordas). O islão num hip-pop universal.

A câmara de Lutz Gregor respira a angústia, toca os acordes de blues das guitarras amplificadas, fecha-se na terracota do pôr-do-sol de Bamako. Ofusca-nos com as cores garridas das capulanas que mergulham nas águas do rio Niger. Um final feliz como o começo, um palco em cima do mar uma praia cheia de gente, “a música como união da felicidade de um povo”.

O alemão Lutz Gregor apresentou-nos o filme com a humildade de um júnior, agradeceu por estarmos ali, mesmo com o sol radioso que estava lá fora. Mali Blues foi exibido uma única vez, no Vision du reel film festival em Nyon na Suíça em Abril último. Não lhe vou perder o rasto!

O IndieLisboa 2016 by Allianz é organizado pela IndieLisboa – Associação Cultural, com o apoio financeiro do Ministério da Cultura/ICA – Instituto do Cinema e do Audiovisual, da CML – Câmara Municipal de Lisboa, do Programa Creative Europe da União Europeia e da Allianz; em co-produção com a Culturgest e o Cinema São Jorge e em parceria estratégica com a EGEAC – Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural, EEM.

+info em http://indielisboa.com/

Texto – Carla Sancho