Concertos Reportagens

The KVB e a sua aura de misticismo luminoso

No dia em que o Cais do Sodré aguardava A Place To Bury Strangers, a sala do MusicBox não ficou despida pela falta deles. Apesar da chuva, de ser meio da semana e de dois dias antes se ter realizado um concerto grandioso naquela sala, foi pouco o espaço vazio que existiu entre as paredes de pedra naquela quarta-feira, dia 30 de Março. Em causa estava a apresentação do novo álbum dos The KVBOf Desire – lançado no passado dia 11.

Para abrir a noite, um pouco de percussão. Ricardo Martins, que já colaborou com Lobster, Noz2, Papaya e Filho da Mãe, é um baterista que gosta de explorar mundos.

Em cerca de meia hora apresentou-nos um projecto diferente e original com base na percussão e no improviso. Ao contrário do que transparecia a T-Shirt que trazia vestida, a sua música é alegre e cheia de ritmo. Constrói-se à base de camadas de loops com um registo sonoro criado pelas baquetas, notas simples no teclado e alguns samples.

Ricardo afirmou que este era o terceiro concerto da sua existência a solo e que, desde o início do ano, gravava uma faixa por mês, tendo como objectivo chegar ao final do ano com um trabalho de 12 faixas e fazer o lançamento do seu projecto, o qual ficaremos a aguardar.

Já com um certo calor a percorrer a plateia, abriram-se os corações à chegada do duo The KVB. De cabeças baixas, com pouco mais do que a luz das projecções atrás deles, Nicholas e Kat assumiam as suas posições para nos trazerem uma hora de rock coberto de sintetizadores e nos guiarem por uma viagem cheia de sensações bonitas e macias.

Apenas com teclas, sintetizadores, guitarra e voz conseguem arquitectar com perfeita sincronização e composição vários estilos musicais como o shoegaze, o post-punk, o noise e o minimalismo electrónico. Ao longe ouviam-se ecos de Ian Curtis, ruídos de Jesus And Mary Chain; viam-se linhas de The Horrors; sentia-se a densidade de The Sisters of Mercy e palpitações de Soft Cell. Tal como as influências são claras, a vontade de nos guiar por entre caminhos de desejo e transe profundo também o era.

A voz de Nicholas, distorcida e penetrante, seguia o ritmo envolvente e inquietante dos sintetizadores, tornando-se tranquilizante quando acompanhado pelas cordas que tocava com os dedos. O ambiente estava criado e a pessoas misturavam-se nele.

De Of Desire ouvimos “White Walls”, “Night Games”, “Lower Depths”, “In Deep”, “Awake” e “Never Enough”. Passaram ainda, ao de leve, pelo Mirror Being e ainda voltaram para um encore de duas músicas em que uma delas era a sensual e audaz “Sympathy For The Devil” dos The Rolling Stones, deixando alguns queixos caídos e perplexidade por entre o público tal foi a forma surpreendente que assumiu.

Mesmo tendo já passado por terras lusas no ano anterior no NOS Primavera Sound, a introspecção e falta de interacção e/ou simpatia com o público foi dado adquirido desde o início do concerto, sendo este facto contrariado pela qualidade musical que nos entrava pelos ouvidos.

 

Conclui-se, assim, que Of Desire é uma boa aposta e os concertos dos The KVB também. Resta deixar os parabéns ao MusicBox por mais uma noite de puro prazer auditivo.

Texto – Eliana Berto
Fotografia – Daniel Jesus