Concertos Reportagens

9º Aniversário Musicbox Dia 1, De coração nas mãos e sorriso nos lábios

É interessante e assustador em igual proporção ver o quão relativo é o tempo tendo em conta o contexto no qual é aplicado. Considera-se que uma criança com nove anos ainda não viveu nada mas o mesmo período de tempo parece não ter fim se for para esperar por algo. Se considerarmos o tempo de vida de uma sala de espectáculos, chegar a essas mesmas Primaveras é um limiar entre um passado de orgulho e um futuro desafiante. Ao feliz aniversariante Musicbox podíamos apenas congratular o marco de longevidade por si mesmo, mas seria desonesto fazê-lo sem lembrar que o fez mantendo ininterruptamente a bitola com uma programação de qualidade e relevância. Se dúvidas restassem, a primeira e a segunda noites de celebração (não deu para ir à terceira) foram provas dessa mesma vontade de enveredar pelo menos óbvio com resultados triunfantes.

Na quinta-feira reinaram sós as guitarras acústicas em tons de folk, country e blues para uma plateia muito bem composta, com as actuações de Afonso Rodrigues e Josh T. Pearson, este de regresso a Portugal depois do concerto de 2012.

Se estrear o palco é uma tarefa intimidante, fazê-lo para o texano será ainda mais, aliás, Afonso Rodrigues, frontman dos Sean Riley & The Slowriders e membro dos Keep Razors Sharp, confessou-o ao público. Contudo, os receios não passaram disso mesmo e o músico assinou um excelente concerto. Despojadas dos seus Slowriders, músicas como Lights Out e Harry Rivers mantiveram o seu peso emocional na voz sorumbática e seis cordas de Afonso e o músico deu-se ainda ao luxo de arriscar a nova faixa Dili a solo. Porém, as surpresas não ficaram por aqui, já que para terminar, Luis Raimundo subiu ao palco e os dois cantaram By the Sea dos Keep Razors Sharp numa versão plena de cumplicidade.

Seguiu-se Josh T. Pearson, que proporcionou um espectáculo multidisciplinar. Stand-up? Folk de puxar a lágrima? Gospel angelical? Foi tudo isto, no fundo, não sendo uma manta de retalhos mas sim um desdobramento vulnerável das várias facetas do músico texano. Desgastado pelas dilacerantes canções de The Last of The Country Gentlemen, Pearson tem-se dedicado a tocar temas clássicos de gospel sulista com o seu amigo Calvin, num projecto chamado The Two Witnesses Gospel Singers (como constava no seu cartaz de cartão mal-amanhado). Cantando temas onde as suas vozes se entrelaçaram numa candura que fez festinhas nos ouvidos, Pearson, de barba feita e resplandecente traje branco, e Calvin mostraram fervor no seu santo sermão. Tal foi esse zelo, que nem uma música como Satan is Real, (in)voluntariamente hilariante e com direito a projecções de Jesus em tamanho gigante, chegou para clarificar a fronteira entre a paródia e a dedicação.

No entanto, não foi só de salmos que se tratou a noite e como não dá para chutar o passado para o lado, Pearson também se dedicou a recordar músicas como Sorry With a Song, Woman When I Raise Hell e Sweetheart I Ain’t Your Christ. Acompanhadas por dedilhados ora delicados e quase inaudíveis, ora viscerais, estas longas digressões quanto à vida de Pearson impressionaram por serem um desconfortável olhar para as suas feridas ainda abertas, tanto que se compreende que o pobre homem já esteja cansado. O ponto alto desta penosa partilha foi Stillborn to Rock, tema novo que se debruça sobre a incapacidade de Pearson em se comprometer numa vida familiar e consequente condenação à solidão. Quando o texano grita “I got my records out but he still got you” sentimos a dor na sua voz e apercebemo-nos que os mitos da Americana têm sempre um fundo de verdade.

Felizmente, a contrapor esta angústia, Pearson demonstrou ter um sentido de humor exemplar e uma capacidade pouco comum de criar empatia com o público. Desde tiradas sobre os hábitos de tabagismo da plateia às piadas vintage sobre músicos, Pearson tanto fez rir como apertar o coração. Por vezes as duas, já que o final de Stillborn to Rock contou com a genial apropriação do verso “If you like it, you should put a ring on it” e mostrou que, tal como a vida, a música também pode ser agridoce.

Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Ana Pereira