Concertos Reportagens

Os samurais indianos e os ressacados do Santo António aos círculos em volta

Focos de resistência, estruturas encapsuladas, viagens com efeito boomerang. O cardápio é longo e variado, numa época em que tudo se resume a parâmetros, algoritmos e dados econométricos encontrar estes buracos temporais não só é motivo de celebração é sobretudo distensão cerebral e muscular infinita. É investimento seguro, são mensalidades poupadas no ginásio. Pós folia santo antoniana, a ZDB teve o cuidado de programar o melhor para corpos ressacados e mentes cansadas. Longe de ter sido um concerto calmo, muito longe até, foi bem mais terapêutico que Coca-Cola zero ou água com gás na manhã seguinte.

Kikagaku Moyo foram os massagistas de serviço. Apesar da banda de Tomo Katsurada, Daoud Popal, Ryu Kurosawa, Kotsuguy e Go Kurosawa ter praticamente menos de três anos conseguiram esgotar o aquário (ultimamente parece que não há lugar para tanto peixinho). Seja pelos conhecedores dos álbuns – Forest of Lost Children (2014), Mammatus Clouds (Ep de 2014) e o homónimo de estreia Kikagaku Moyo (2013), seja pela curiosidade inerente a melómanos mais ou menos inveterados ou pelos ecos vindos do norte e que davam contam de uma noite memorável no dia anterior, nos Maus Hábitos, independentemente do motivo, todos saíram hipnotizados pelas sonoridades produzidas a oriente. A carga melódica, os rebites impressos na cítara, a bateria ora mais arrastada ora mais sincopada e as vocalizações, em momentos pontuais, reforçavam a carga hipnótica gerando uma espécie de rede debruada com contornos pré-transcendentais. Traduzindo para linguagem de mini na mão – houve alturas que foi uma moca do caralho, e quando assim é – sabe pela vida.

Ghandy a comer sushi com um Samurai e os dois de braço dado, rua fora, até a um dos muitos salões de jogos que imagino haver em Tóquio, Stereolab e as avestruzes do Badoca Parque, Stonehenge e a celebração do solstício de Verão com mais corpos nus que relva no Hyde Park, os Leningrad Cowboys do Kaurismäki, Hiroshima meu Amor, Black Sabath e Brian Jonestown Massacre. Todos, os presentes e os imaginados, convocados para o CIAS – Congresso Internacional das Almas Suspensas. E não poderiam faltar Jun e Mitsuko, o casal de Mystery Train (Jim Jarmusch), a encarnação suprema da adoração japonesa pela cultura ocidental. Os Kikagaku Moyo, com uma cítara a tiracolo, são também eles apaixonados da transumância cultural, na linhagem de uns Acid Mother Temple, que concertão na ZDB em 2013, os Shibusa Shirazu Orchestra, inesquecível FMM – Sines 2013, ou os sonhados, mas não ainda concretizados, concertos das OOIOO e Boredoms.

Sim podemos. Podemos criar o intervalo, o ponto de fuga que nos permite escapar das visões unanimistas que nos impõem no dia-a-dia. Assim foi no Sábado, mas também espaço para o desconforto, sempre necessário, para o regresso de dois grandes do jazz como Peter Brötzmann e Steve Noble (02 de Julho).

Texto – João Castro
Fotografia – Valentina Ernö (Silvana Delgado)