2015 Festivais Primavera Sound Reportagens

NOS Primavera Sound – Terceiro Dia: Douro, River of Bass

Quando as últimas notas de Born Slippy findaram o concerto dos Underworld, e, para muitos, do NOS Primavera Sound, duas conclusões puderam ser retiradas de imediato: Esta foi uma das mais concorridas edições do festival até à data e este foi também o dia menos forte do certame. Coeso sim, variado também, mas sem ter aquele destaque dos dias anteriores. É certo e sabido que um coro de protesto gritará “Houve Damien Rice!”, mas nós centrámos a nossa atenção noutros artistas, dos quais destacamos a humildade de Manel Cruz, a riqueza do concerto dos Einsturzende Neubauten, o peso maníaco dos Shellac, a pureza descontraída das Ex Hex, os desconcentrantes Foxygen, o endiabrado Dan Deacon, a competência de Death Cab for Cutie e a intemporalidade dos Underworld.

Manel Cruz

Ser o primeiro artista do dia tende a ser, por hábito, uma situação ingrata. Ora porque o pessoal está mais entretido com o ambiente do festival ou simplesmente porque ainda estão a chegar ao recinto. Não foi este o caso. A equação curiosidade + carisma do Manel Cruz deram como resultado o palco Super Bock praticamente cheio para assistir à Estação de Serviço.

Nesta travessia pela avenida da nostalgia, Manel Cruz veio acompanhado por Nico Trico (no banjo), Eduardo Silva (no baixo) e António Serginho (na bateria) e fez várias paragens numa viagem que durou cerca de uma hora. E quando se fala de paragens, refira-se as músicas das várias bandas que Manel Cruz encarnou, Pluto, Foge Foge Bandido e Supernada. Isto para além de ter apresentado várias músicas novas, com destaque para o projecto Ovo que surgiu num encore arrancado a ferros. Realmente, os 40 podem ser novos 20, e Manel Cruz deixou a felicidade (que estava estampada na sua cara) aos portuenses (e não só) que assistiram ao regresso de um filho a casa, neste caso, aos palcos.

Xyloris White

Foram poucos mas bons aqueles que se dirigiram ao palco ATP para atender a uma proposta mais exótica do que o concerto de Manel Cruz que decorria mesmo ali ao lado. De um lado Jim White, percussionista nova-iorquino de renome que já trabalhou com Cat Power, PJ Harvey e Nice Cave. Do outro, Giorgos Xylouris, cretense virtuoso com o alaúde, cuja lenda reza já ter tocado 18 horas seguidas em palco. Com tamanhos créditos, este encontro de culturas só podia dar coisa boa. E assim foi, sempre em registo semi-improvisado, por vezes deambulando cada um para seu lado, noutros casos encontrando-se e encaixando em ritmos frenéticos, sempre com as melodias do alaúde a imperar.

The Thruston Moore Band

Mais uma dose da boa música no palco ATP e, desta feita, com dois “ex-elementos” (os hiatos são sempre uma coisa complicada) dos Sonic Youth, ou não estaríamos a falar de Thurston Moore acompanhado por Steve Shelley e restante banda. Grande parte do concerto fez-se de temas de The Last Day, que, não sendo a melhor coisa que Thurston já criou, resultou bem ao vivo durante quase uma hora de noise rock, onde se destacou claramente o segundo baixo mais possante do dia (já lá vamos). Grace Lake acabou o que Forevermore tinha iniciado e pelo meio contou-se ainda com uma trepidante Germs Burn. Thurston Moore pode não ter a relevância doutros tempos, mas ele e a sua “rock and roll consciouness band” não deixam de ser uma agradável presença.

Foxygen

Como querer ser a pior e a melhor banda num festival? Foi a esta pergunta que Sam France e companhia tentaram responder no seu concerto. Respondendo logo à pergunta, o resultado foi um concerto surreal, teatralizado, em que a palavra estupefacção ficou assente. Desde um vocalista a beber “supostamente” whisky e sem saber se o Porto era uma cidade ou não, aos guitarristas a brincarem com espadas e a jogarem às cartas, aos diálogos falsos com Jonathan Rado, a tentativa de mostrar como o mundo do rock n’ roll está virado do avesso foi conseguida.

Falando propriamente de música, foi com um ritmo frenético, e muito intenso, para mais nas filas da frente, que assistiu  ao hit San Francisco, mas no sistema de som, durante uma das várias saídas da banda do palco (para trocar a roupa, porque o suor não fica bem) e ao conhecido Shuggie. Sintetizando, Foxygen deram um concerto para o show-off, um pouco à imagem do que o rock’n’roll pode ser.

Einsturzende Neubauten

Volta de 180 graus. De um projecto a primar pelo estilo sobre a substância passámos para outro onde ambos os termos são unha com carne, ou melhor, pistão e lubrificação. Por incrível que pareça, o concerto dos Einstürzende Neubauten era dos mais esperados do festival, e nem a ininteligibilidade das letras em alemão (metade delas, pelo menos), nem a bizarria da sua sonoridade evitaram que o palco ATP se enchesse de gente para os ver. Voltando à comparação anterior, a postura fria, maquinal do colectivo alemão coaduna-se exactamente com a música sombria e pouco convencional que praticam, mas, mais do que isso, como a praticam. Quando os Neubauten (para facilitar) deixam cair chapas de metal durante a Unvollständigkeit ou quando utilizam uma bateria de bronze, não o fazem como um truque para parecerem mais interessantes, mas sim porque a experimentação musical é central à identidade da banda. Blixa Bargeld, um mestre de cerimónias por excelência, comandou a restante trupe de iconoclastas pelo passado recente dos Neubaten, sendo as excepções The Garden, que cinematicamente começou o concerto, e Haus Der Lüge, cujo balanço industrial ainda provocou alguns passos de dança involuntários.

Ex Hex

Para aligeirar as coisas depois dessa dose cavalar de música densa, nada melhor do que assistir às Ex Hex no palco Pitchfork a alimentar os amplificadores com um híbrido entre a estirpe mais orelhuda do rock clássico e um ethos punk. Bebendo um pouco ao movimento Riot Grrrl, o trio composto por Mary Timony, Betsy Wright e Laura Harris contagiou o público com músicas directas que não sacrificam em nada uma componente mais ligeira e divertida, como em You Fell Apart ou Waste Your Time. Os riffs e solos de alta qualidade sucederam-se em catadupa, criados nas destras mãos de Mary Timony, tomando especial evidência num momento de química mágica com a baixista Betsy Wright. Foi, portanto, Punk Rock de sorriso na cara de todos e que clama por um regresso em breve a Portugal.

Death Cab For Cutie

Há três anos, Death Cab For Cutie estiveram no Primavera, mas por motivos (diz-se que foi o mau tempo) cancelaram a sua actuação. Agora, e depois de uma semana a viajar de carro por Portugal, como disseram, vieram para dar um dos concertos do dia. Em comparação a 2012, trouxeram já tinham um novo álbum, o Kintsugi que inclui o Black Sun. Mas também não foi esquecida o Little Wonderer, uma das bandeiras da banda indie.  

Num concerto que foi tanto leve como intenso, limpo (tanto pela calma demonstrada como pelo som cristalino que escoava – se calhar o Palco Super Bock foi dos que melhor som, falando de qualidade apresentou ao longo do festival), terminou com o embarque na história de amor à distância, personificada no sereno Transatlanticism.

Ride

A encosta do Palco NOS estava desfalcado à hora do início dos Ride, e assim se manteve durante todo o concerto. A dispersão do público para os outros palcos justifica em parte aquilo que foi o concerto dos britânicos. Reconhecidos performers do shoegaze, aquele hit do britpop “Leave them all behind” tocada no início até prometia, mas só conseguiram conquistar aqueles que já estavam conquistados à banda pop rock. Nesta viagem sintomática pelos anos 90 ficou a faltar a chama que mantivesse acesso o resto do concerto.

Shellac

Passaram pelo NOS Primavera Sound bandas estranhas, ideossincráticas que quisermos ser pomposos. Contudo, nenhuma consegue ser como os Shellac. A banda de estimação do Primavera Sound (ainda não faltaram a nenhuma edição) é daqueles raros espécimenes tão imprevisíveis que, mesmo quem não está a gostar, fica ao fim só para ver o que vai acontecer depois de cada música. O trio, liderado por esse monumento da música alternativa que é Steve Albini, deu aquele que foi provavelmente o concerto mais barulhento do festival, e aquele que contou com o melhor som de baixo (agora sim). Toda a estranheza e sentido de humor pervertido foram transpostos na perfeição para o palco em temas como The End of Radio ou Wingwalker, intercalados pela maravilha que é ver Albini a fazer piadas sobre sexo com toda a verve possível a um homem de 50 anos. Para o ano, com certeza, há mais.

Dan Deacon

De sério e louco, todos temos um pouco. Esta premissa é levada demasiada à letra por Dan Deacon. O norte-americano, com um look muito alternativo e delirante, cativou (e de que maneira) e pôs todos a dançar como não houvesse amanhã (mal soubessem o que viria a seguir). Com o Palco Super Bock a incendiar (não literalmente, como aconteceu em Gaia), não faltaram condimentos que tornaram a pop de Dan Deacon um dos pontos altos do dia, neste caso, noite. Até vasos com plantas a deambular de um lado para outro. Quando a pop se alia com a electrónica e com vozes estridentes pode dar bons resultados, e o Gliss Riffer (o último álbum lançado) é o caso de estudo perfeito. Impulsionado pelo Feel the Lightning ou Learning to Relax, Dan Deacon parecia querer que o seu concerto não tivesse fim, mas folia foi tanta que se perdoou o facto de ter atrasado o concerto dos Underworld.

Underworld

Se há coisa que podemos apontar de positivo a festivais como este, é que nos dão a oportunidade assistir a concertos de grupos seminais que doutra forma seriam apenas disponíveis em vídeos de Youtube ou bootleggs. Estar num espectáculo dos Underworld insere-se bem nessa categoria; mais do que dançar, trata-se de experienciar um certo período cristalizado no tempo. Quem esperava uma hora e meia de rave nonstop deve ter ficado desapontado, já que Rick Smith, Karl Hyde e Darren Price não vieram para o Porto justificar o consumo de drogas de alguns dos presentes, pois o seu intuito foi sim apresentar dubnobasswithmyheadman na sua integridade. E se isso por um lado levava a quebras de imersão por não haver passagens mirabulantes entre as músicas, aproximando-se mais do conceito clássico de um concerto, por outro permitiu Karl Hyde partilhar algum contexto quanto às músicas e à sua criação, quase como se tivesse a contar a um grupo de amigos.

Como álbum, dubnobasswithmyheadman serve de base para um concerto extremamente equilibrado. Para bangers causadores de dança frenética e despreocupada tivemos Dark & Long e Spoonman, para House mais subtil e subreptício houve Dirty Epic (com acompanhamento de guitarra) e Surfboy e para momentos calmos e ressonantes surgiu o combo River of Bass e M.E, quem sem dúvida fez dos assistentes mais solitários desperar por alguém com quem dançar. Acompanhados por um jogo de luzes verdadeiramente impressionante (as rotações kaleidoscópicas em Cowgirl são um claro destaque), os Underworld haviam de reservar para o fim um dos episódios mais marcantes do festival. Primeiro Rez, genial tema de Rick Smith algures entre o trance e o techno capaz de deixar o maior dos depressivos de sorriso na cara. Depois, como não podia deixar de ser, aquela música, a ganhou notoriedade por figurar no filme Trainspotting. Falamos, claro está, de Born Slippy .NUXX, que fechou o palco NOS em apoteose total e encerrou o NOS Primavera Sound de forma triunfante.

[Galeria do Dia]

Texto – António Moura dos Santos e Carlos Sousa Vieira
Fotografia (Galeria do Dia) – Luis Sousa
Fotografia (Capa)© Hugo Lima | NOS Primavera Sound 2015