2015 Festivais Primavera Sound Reportagens

NOS Primavera Sound – Primeiro dia: Sol de Meia Noite

Foi na atmosfera radiante criada pelos Caribou que se findou o primeiro dia do Primavera, que também se fez da energia de Mac deMarco, da falta dela em Interpol e da sensualidade de FKA Twigs. Parca mas selecta, foi assim a escolha de concertos para este início do NOS Primavera Sound, demonstrando que, não tendo os mesmos argumentos que o seu congénere mais glamoroso em Barcelona, a organização soube escolher bem os seus trunfos.

Um infeliz contratempo impediu ver Bruno Pernadas a espalhar o perfume do seu How Can We Be Joyful in a World Full of Knowledge? pelo Parque da Cidade, mas decerto que o seu cocktail de folk, jazz e electrónica foi bem recebido pelos festivaleiros que se acumulavam. Já Cinerama foi a verdadeira definição de shalala de fim de tarde, dificilmente vingariam noutra altura do dia. O projecto de David Gedge, dos The Wedding Present, de volta aos palcos, debitou indie pop sem grande identidade e por vezes xaroposo no palco NOS, ressentindo-se da ausência dos arranjos orquestrais que costumam conferir mais corpo aos temas. Ainda assim, músicas como Dance Girl Dance, Honey Rider e Quick Before it Melts, com uma bonita conclusão, souberam bem enquanto o sol ainda batia nas encostas.

No palco Super Bock, debaixo de um assustador e negro céu, Mikal Cronin marcou o seu regresso a Portugal com mais uma performance contundente. O carácter mais exploratório de MCIII foi preterido em prol de um concerto mais directo, sendo que o músico norteamericano e sua banda de apoio mostraram como abanar a cabeça e mandar um pezinho de dança não são reacções antagónicas, sendo bastante possíveis quando há rock desta ginga. Por vezes psicadélico, garage em tantas outras, o rock and roll barulhento de Cronin é daqueles espécimens cuja encarnação em CD não faz jus ao poderio que apresenta ao vivo e malhas como Apathy, Shout it Out e Change fizeram denotar isso.

Festivais como este dão sempre azo a duras decisões e uma das mais complicadas deu-se às 20:00 horas deste dia: Patti Smith ou Mac deMarco? Optou-se pelo Mac, já que felizmente haveria a possibilidade de se ver a Patti no dia seguinte. A escolha não defraudou. Apesar de estar doente, o canadiano assinou mais um concerto memorável e voltou a mostrar ter uma química especial com Portugal, tanta que audiência já estava rendida mesmo antes dos acordes de Salad Days. Belos temas de pop solarenga como Blue Boy, Freaking Out the Neighbourhood e Let Her Go foram intercalados com uma galhofa imensa entre Mac e o guitarrista Andrew Charles White e o baixista Pierce McGarry, cujas tiradas tiveram tanto de hilariante como abusivamente longo. Não obstante, o que vingou foi o clima de boa disposição que perdurou, até mesmo quando Mac partiu uma corda e a restante banda improvisou uma música idiota. Na recta final, as guitarras deram lugar às teclas e Chamber of Reflexion ecou a bela melodia que lhe dá corpo para a seguir Still Together acabar festivamente, com Mac a surfar graciosamente pelo público. Good times.

Continuava a ameaça de chuva, mas a temperatura subiu de sobremaneira. Literalmente. Não só porque FKA twigs fazia a sua estreia no palco Super Bock, mas também porque tamanha era a massa humana para a ver que as pessoas foram obrigadas a tirar a roupa. A cantora inglesa apresentou-se sem grandes artifícios mas tal também não foi necessário para deixar o Primavera ao rubro. Cada contorção, cada gesto ondulante, foi motivo de reacções efusivas, apesar da música nada fazer antevê-lo. Isto porque o seu R&B etéreo, descendente espiritual da Trip-Hop, supostamente seria mais adequado a uma sala fechada, mas nem por isso os graves pulsantes, as batidas mecânicas e os synths expansivos deixaram de contagiar o público. À proa da bizarra trupe de percussionistas cuidadosamente construindo uma teia sonora estava twigs, senhora e dona do palco, sem danças de maior mas expondo as suas histórias feitas de suores, gemidos, respirações arfadas e sexo nas suas mais diversas formas, desde o maniqueista em Papi Pacify ao lascivo em Two Weeks, que decerto deixaram as orelhas dos mais púdicos a arder.

De volta ao palco NOS, os Interpol voltaram a Portugal depois do concerto desapontante no ano passado para ter uma performance uns quantos furos acima, mas sem brilhantismo. Culpe-se o som baixo e pouco dinâmico do NOS, mas verdade é que alguém tem de dizer ao Paul Banks que solenidade na entrega não é o mesmo que estar a fazer um frete, já que o frontman da banda nova-iorquina pareceu entediado e em piloto automático, algo notado pelo público. Os Interpol basearam a maior parte do seu set no material mais antigo, havendo pouco El Pintor mas muito Turn On The Bright Lights, de onde é proveniente Say Hello to the Angels, que deu início às festividades. Chegados apenas a Evil e Rest My Chemistry é que houve realmente um rasgo de entusiasmo, mas a verdade é que o percurso seguiu-se a meio gás até ao encore, onde o clássico Stella Was a Diver and She Was Always Down, com aquela maravilhosa secção rítmica, e a antémica All The Rage Back Home deram o abanão necessário mas já tardio a um concerto que pecou por falta de nervo.

Face ao resfrear dos ânimos, poder-se-ia pensar que a noite estaria condenada, mas os surpreendentes The Juan MacLean trataram de resgatar o entusiasmo com a sua mistura de synth pop à anos 80 e correntes mais modernas música electrónica. Residente na casa de talentos é a DFA, o conjunto liderado por John MacLean pratica aquilo que se pode descrever como The Human League para o século XXI (para caso de dúvidas, ouvir a One Day) com a propulsão rítmica daquele electro mais revivalista. Foi num ritmo nonstop que o grupo criou um clima febril de festa, com a Madonnesca Nancy Whang (que fez parte dos LCD Soundsystem) a cantar palavras de ordem em Happy House ou The Simple Life, e onde nem faltou um theramin para as secções mais intensas.

O fim apoteótico deste primeiro dia de Primavera ficou ao cargo de Caribou. Já habitué dos palcos nacionais, Dan Snaith actuou perante uma impressionante moldura humana que ansiava por dançar ao som das faixas do belíssimo Our Love. Foi, aliás, com a faixa título desse LP que o produtor canadiano inaugurou uma banda sonora ideal para o fim de noite de IDM, composta por beats enleantes e clímaxes gloriosos produzidos pela restante banda que o acompanhou durante mais de uma hora. É injusto destacar músicas face a um set de tamanha qualidade e equilíbrio, mas a recta final de Odessa, Your Love Will Set You Free e, sim, Can’t Do Without You (um daqueles momentos de festival onde toda a gente parece estar no mesmo comprimento de onda) foi um claro ponto alto do dia e preparou imaculadamente o encore de Sun. Talvez as luzes laranja apontadas para as colinas tenham ajudado, mas a homenagem ao Sol de Dan Snaith foi de tal forma luminosa que podíamos jurar estar ainda a meio do dia.

[Galeria do Dia]

Texto – António Moura dos Santos
Fotografia (Galeria do Dia) – Luis Sousa
Fotografia (Capa)© Hugo Lima | NOS Primavera Sound 2015